2.A discussão voltou com grande relevo nos últimos meses, sobretudo desde a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos da América. Dizia-se então que a vitória do milionário nova-iorquino seria a capitulação do poder político ao poder económico: o (então) eventual Presidente Trump utilizaria o poder para fins privados, para a promoção pura e dura dos seus negócios. Esqueciam-se, porém, de referir que Hillary Clinton tinha o apoio de todos os grandes grupos empresariais que dominam os media…A verdade é, afinal de contas, sempre relativa…
Ou seja, o tema da promiscuidade entre o poder económico e o poder mediático – e, claro, o poder político – voltou às discussões televisivas portuguesas para…dar lições aos americanos. E, de um modo geral, aos “outros”.
Sim, porque aqui em terras lusitanas, não há problemas – temos António Costa como Primeiro-Ministro. Logo, somos o país mais abençoado do mundo! E ter uma comunicação social dominada por Costa não suscita qualquer problema ou indignação: afinal de contas, defender, sem tréguas, o líder iluminado da geringonça é um serviço patriótico. Um verdadeiro serviço…a bem da Nação. Servir acerrimamente António Costa e os seus interesses políticos é – para muitos órgãos de comunicação social – um verdadeiro serviço patriótico.
3.Há, neste contexto, jornais e revistas que optaram por se alinhar completamente às lógicas político-partidárias ou às estratégias empresariais dos seus proprietários – esquecendo que a sua verdadeira missão é exercer a nobre actividade jornalística. E o jornalismo, por definição, é incompatível com subserviências partidárias ou empresariais – caso contrário, o jornalismo é um mero “travesti “de pura propaganda política (no primeiro caso) ou de mera acção de marketing (no segundo). Vamos a um exemplo concreto, muito recente, e que reputamos como gritante da realidade que assinalamos na presente prosa.
4.Atentemos nas capas das duas últimas edições da revista “Visão”. Declaração de interesses prévia: somos grandes admiradores da revista, tendo, inclusive, coleccionado edições da referida publicação desde criança com nove, dez anos. Por decisão familiar, até durante vários anos, fomos assinantes da “Visão” – era uma excelente revista, com conteúdo, análises de grande densidade intelectual, uma fonte de informação insubstituível. E imparcial. E dedicada ao jornalismo verdadeiro, não ao jornalismo travestido. Ainda no passado fim de semana, estivemos a reler exemplares passados da revista, desde 1996 até 2010! E que diferença com a revista “Visão” que tem saído para as bancas nos tempos mais recentes!
Qual é o problema estratégico da Visão? É que se submeteu aos interesses estratégicos do grupo Impresa (proprietário da revista), ficando a eles completamente presa. Mais do que jornalismo, a revista optou por se constituir como a agência de marketing do grupo Impresa. Senão, vejamos. Há duas semanas, a “Visão” teve como capa o “lado negro de Patrick Drahi” – Drahi é, como o(a) leitor(a) bem sabe, o CEO do grupo Altice, o qual adquiriu a Media Capital (grupo que, por sua vez, detém os canais TVI e a Rádio Comercial). Ora, quem é que opôs à aquisição da Media Capital pelo grupo francês, em tons mais estridentes? António Costa, o PS e o grupo de Pinto Balsemão, proprietário da “Visão”.
5.Isto é, na mesma semana em que o poder político atacava a Altice, em que a Impresa manifestou o seu receio de um concorrente francês entrar no mercado audiovisual português – a “Visão” resolveu fazer capa com o “lado negro” do líder desse grupo francês.
Note-se que a “Visão” não tentou apresentar o perfil de Draghi em tom objectivo, imparcial, sem preconceitos ou intuitos políticos imediatistas (que é o que os jornalistas devem fazer, em teoria) – não! Apresentou, urbi et orbi, o lado negro do líder da Altice! Ui, ui, qual Darth Vader do mundo empresarial, Draghi foi apresentado como um patrão sem sentimentos, explorador dos trabalhadores, um verdadeiro parasita empresarial que compra, destrói as empresas e depois revende-as a preço altíssimo!
Draghi – clamava a “Visão” – é o Diabo dos trabalhadores, diminui salários, despede, rejeita licenças de férias e de paternidade, não ouve, não discute, não pede conselhos, liga às tanta da madrugada para casa dos directores – ufa, até nós já estamos de tamanha exploração, de tamanha bestialidade! Draghi, o “Lord Sith”, a encarnação do mal, o Anti-Cristo, segundo a “Visão”! Por coincidência, a “Visão” descobriu isto tudo…três dias depois da Altice ter adquirido a TVI! Epá, o destino tem mesmo coincidências incríveis! Até parece que isto tudo foi inventado para agradar a alguém…
6.Na semana passada, a “Visão” voltou à carga atacando o regime angolano, designadamente a filha do Presidente Eduardo dos Santos e já prenunciando o seu tom crítico ao futuro Presidente João Lourenço – curiosamente, a Revista do Expresso (que pertence ao mesmo grupo empresarial), no sábado seguinte, repetiu a argumentação e os “factos” da Visão. Porquê? Porque o grupo de Isabel dos Santos deixou de disponibilizar a SIC NOTÍCIAS (que pertence ao mesmo grupo da “Visão” e do “EXPRESSO”) em território angolano. O grupo Impresa está, pois, já a marcar terreno para tentar influenciar o Governo do próximo Presidente angolano em sentido que lhe seja mais favorável.
7.Podem as publicações que pertencem ao mesmo grupo actuar concertadamente defendendo causas do grupo que as detém? Podem: no entanto, urge informar a opinião pública das razões subjacentes às notícias e aos textos que publicam. Porque, caso contrário, mata-se o carácter de cidadãos, de empresários e de políticos ou académicos que ousam desafiar os monopólios, os interesses instalados de alguns. Lendo o artigo da Visão sobre a Altice, parece que Patrick Drahi é um criminoso, um mafioso, um terrorista…apenas porque comprou a TVI!
Porque investiu em Portugal, num sector que busca financiamento urgente como é o sector dos media! Ora, a “Visão” e o “Expresso” definiram, com racionalidade e numa estratégia pensada, o seu posicionamento: caberá aos leitores e às leitoras – munidos devidamente das informações que justificam certas peças e certos textos – julgar.
8.Uma coisa é certa: deixem é de dar lições de moral a quem quer que seja. Já ouvimos três comentadores da SIC (propriedade também da Impresa) a declarar que ninguém lê o “i” e o “SOL” – estão no seu direito, até porque a Constituição também protege o direito à mentira e a dizer certas tontarias. No entanto, nós preferimos colaborar com um órgão sério e credível, não movido por lógicas empresariais, do que noutros é que preciso fazer fretes a terceiros…É uma opção.