Venezuela. De novo a prisão para Leopoldo e Ledezma

Os gestos de boa vontade findaram e receia-se uma nova e mais volátil etapa de confronto aberto

O tempo da reconciliação passou e já ninguém parece procurá-lo na Venezuela. O governo recuou ontem na decisão de ter dois dos principais opositores políticos em detenção domiciliária e voltou a enviar Leopoldo López e Antonio Ledezma para a prisão militar, alegando, segundo um comunicado do Supremo Tribunal, que ambos estariam a preparar a fuga para o estrangeiro e que o acordo que lhes permitia estar em casa foi violado no momento em que mobilizaram protestos contra a Assembleia Constituinte e o poder de Nicolás Maduro.

López e Ledezma foram levados durante a madrugada por agentes e carrinhas dos serviços secretos, os Sebin. López tinha vestida uma camisola de mangas à cava, branca. Ledezma levava apenas vestido um pijama azul. Sabemo-lo porque as duas detenções foram filmadas. Ora por câmaras de segurança, no primeiro caso, ora por um telemóvel, no segundo. “Estão a levar Ledezma!”, grita uma mulher na entrada do prédio do antigo presidente da Câmara de Caracas. “Isto é uma ditadura!”

Nova etapa

As prisões domiciliárias dos dois opositores eram encaradas como gestos de boa vontade do governo de Maduro. O caso de López é o mais evidente e recente. O antigo presidente da Câmara de Chacao foi transferido há menos de um mês para a detenção domiciliária ao fim de praticamente três anos e meio na prisão. Quem o libertou não foi o Supremo Tribunal, que, para o enviar para casa, teve de se justificar com uma “medida humanitária”. Também não terá sido o Supremo Tribunal a decidir as prisões de ontem. Estas decisões tendem a pertencer ao governo e a Nicolás Maduro, que só decidiu enviar López para casa depois de prolongadas negociações com José Luis Zapatero, antigo presidente do governo espanhol – os encontros foram relatados pelo “El País”.

A prisão domiciliária de López não agradou a todo o oficialismo e Maduro teve de ouvir raras críticas públicas – da ministra das Prisões, por exemplo. Ontem, ouvia-as da comunidade internacional, que teme que as prisões de López e Ledezma sejam o sinal de uma nova e mais volátil etapa na política venezuelana: agora que o governo tem uma Constituinte capaz de silenciar a oposição da Assembleia Nacional e da procuradora-geral da República, o oficialismo pode optar pela via do confronto aberto. Era a isso que o presidente do órgão de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas se referia ontem, ao dizer- -se “profundamente preocupado” com a recaptura dos dois opositores. “Peço às autoridades que não transformem uma situação já extremamente volátil em algo ainda pior com o uso excessivo da força, incluindo as rusgas violentas a domicílios”, lançou Zeid Ra’ad al-Hussein.

Dia definidor

O regresso à prisão de López e Ledezma pode ser revelador. Ambos foram, de uma forma ou de outra, condenados por terem participado como líderes políticos nos violentos confrontos de 2014, que terminaram com 41 mortos. O presidente venezuelano insinuou no domingo que os deputados da atual aliança de deputados da oposição podem em breve perder a imunidade política – algo que acontecerá presumivelmente quando a Constituinte ocupar o lugar do órgão legislativo máximo. López foi condenado a mais de 13 anos de prisão por “incitamento à violência”; Ledezma foi detido em fevereiro de 2015, ainda não julgado, e acusado de apoiar um golpe de Estado. Um destino semelhante pode esperar os deputados da MUD. É preciso esperar para ver o que faz a Constituinte que toma hoje posse.

“O meu pai estava ciente dos riscos”, dizia ontem a filha de Antonio Ledezma à BBC, explicando que o vídeo que o opositor publicou recentemente contra a Constituinte era “uma obrigação moral”. Lilian Tintori, a mulher de Leopoldo, lançou-se ao presidente: “Maduro é responsável se alguma coisa acontecer”, escreveu no Twitter.