Os dois tripulantes da avioneta que, há dois dias, matou duas pessoas na praia de São João da Caparica ficaram sujeitos a Termo de Identidade e Residência. Tanto o piloto como o outro tripulante estiveram ontem a ser ouvidos como arguidos, no âmbito da investigação em curso e que é dirigida pela Secção de Almada do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa. São suspeitos do crime de homicídio por negligência.
A Procuradoria-Geral da República adiantou ontem que, “concluídos os interrogatórios, que foram conduzidos pelo Ministério Público, os arguidos ficaram sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência” – a medida de coação mais leve.
As investigações vão agora continuar, estando o MP a ser coadjuvado pela Polícia Judiciária e apoiado pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários.
Possibilidade de exclusão da ilicitude
Contactado pelo i, o advogado Ricardo Candeias explicou que do ponto de vista da responsabilidade civil e criminal, o caso tem um enquadramento semelhante ao de um acidente de automóvel.
“Em termos de tese geral, do ponto de vista civil, as pessoas que iam ao comando da avioneta têm uma responsabilidade civil extra que resulta dos danos que provocou com aquela manobra”. No entanto, explica, “há aqui uma questão do ponto de vista jurídico muito interessante que é a de perceber em que circunstâncias é que a avioneta poderia ter sido manobrada de maneira diferente, para que se evitasse o mal maior”. Candeias esclarece que, se se provar que dadas as circunstâncias, a decisão do piloto foi a mais acertada, poderá haver uma exclusão de ilicitude.
“Imagine que eles viram o problema na avioneta num sítio em que havia muita gente e só conseguiram aterrar na praia naquela zona, para evitar despenhar-se num sítio em que houvesse mais pessoas. Se a atitude foi essa, do ponto de vista criminal, parece-me que haverá aqui uma exclusão de ilicitude. Ele poderá ser, do ponto de vista criminal, ilibado, porque há aqui uma circunstância em que se justificou a atitude tomada”. Do ponto de vista civil, porém, o advogado duvida que não seja necessário responder pelos danos causados, nomeadamente com a morte das duas pessoas.
“A responsabilidade pode ser, essencialmente, do instrutor”, desenvolve, “uma vez que aqui atua orientando o instruendo. Agora falta saber se o instruendo escutou as ordens que o instrutor lhe facultou, ou se não. Se isso aconteceu, a responsabilidade é do instrutor”. Ainda é cedo para adiantar muitas hipóteses, uma vez que a investigação trará respostas quanto ao contexto e causas possíveis do acidente.
Ontem, em comunicado, o Aeroclube de Torres Vedras, proprietário da aeronave, garantiu que todas as revisões à aeronave foram feitas. Acrescenta ainda que o Cessna 152 está tem os necessários seguros que cobrem “situações como a que aconteceu”.
Ao i, João Carlos Francisco, presidente do Aeroclube de Torres Vedras, disse que a aeronave “estava cedida à escola de aviação G-Air”, sendo portanto dessa escola a responsabilidade da operação.
Adiantou ainda que este tipo de aeronave tem um protocolo de manutenção igual ao de um Boeing ou de um Airbus, fazendo com que as exigências sejam as mesmas.
O mesmo não acontece com as aeronaves ultraligeiras, em que a manutenção é feita pelos pilotos ou pelos proprietários. Com aeronaves Cessna “tudo é certificado”. João Carlos Francisco frisou que todo este episódio é, para o Aeroclube de Torres Vedras “surpreendente”, já que operam com estes aparelhos desde os anos 70.
O acidente aconteceu cerca das 16h45 de quarta-feira, pouco depois de o piloto ter feito uma comunicação de emergência à torre de controlo de Cascais alegando existir uma falha no motor.
Ao aterrar de emergência na areia molhada matou um homem de 56 anos e uma menina de oito anos que estavam junto à água e não conseguiram fugir.
Os dois tripulantes da avioneta Cessna foram de seguida ouvidos pela Polícia Marítima. Ao final da tarde, o comandante do Porto de Lisboa, Paulo Isabel, confirmou aos jornalistas que ambos ficaram sujeitos à medida de coação mais leve, ou seja, termo de identidade e residência.
O advogado Ricardo Candeias explicou ao e que este tipo de processos, normalmente, são lentos, sendo que apenas daqui a um ano e meio, ou dois anos, serão conhecidas as conclusões definitivas.