O governo venezuelano adiou uma vez mais a tomada de posse do seu novo órgão plenipotenciário e a oposição respondeu adiando também a sua jornada de protesto. E foi assim que de ontem se adiou para hoje aquele que pode revelar-se o mais íntimo confronto entre a maioria opositora destronada e os novos delegados da Assembleia Constituinte, que, até agora, apenas se batalharam à distância, nas mesmas ruas venezuelanas onde desde abril já morreram pelo menos 120 pessoas. “Propôs-se que o melhor será fazer a instalação esta sexta-feira, e que se organize bem, em paz e tranquilidade”, afirmou ontem Nicolás Maduro, marcando para as 11h de Caracas – 16h em Portugal Continental – a cerimónia na Sala Elíptica, a divisão que fica em frente ao hemiciclo oposicionista e onde vai passar a reunir-se a Constituinte.
A oposição convoca uma marcha em Caracas que terminará no próprio Palácio Legislativo, onde funcionarão os dois poderes concorrentes. As grandes figuras do oficialismo estarão lá. Maduro, o seu número dois e mais provável presidente da Constituinte, Diosdado Cabello, e até a mulher do presidente e o seu filho, ambos delegados no super-órgão com que tenciona agarrar-se ao poder para lá das eleições presidenciais de outubro de 2018, para as quais parecia encaminhar-se como um candidato derrotado à partida. Para evitar os confrontos entre as figuras maiores da conturbada política da Venezuela, a Guarda Nacional Bolivariana começou já a ocupar na quarta-feira à noite as instalações do Palácio Legislativo. Ninguém sabe o que vai acontecer hoje, mas os elementos do confronto estão lá.
Transição de poder Maduro começou ontem a falar abertamente do fim da legislatura opositora, algo que, até agora, não estava em dúvida, mas apenas como consequência prática de existir um órgão que reúne em si todo o poder, como é o caso da Constituinte. O presidente venezuelano disse numa emissão televisiva que será criada uma “comissão de união” para garantir a transferência de poder “em paz”. Disse também, no entanto, que há castigos a distribuir pelos “patrocinadores do terrorismo”, o que, no entendimento do oficialismo, são os deputados da MUD que lideraram as manifestações das últimas semanas. Maduro, que discutiu planos com a familiaridade própria de quem conhece pessoalmente muitos dos delegados eleitos para o órgão que ele próprio concebeu, deixou-lhes também nas mãos a perseguição que vem incitando nos comícios do governo. “Há que fazer-se justiça, mas isso não me toca a mim, é tarefa vossa.”
No pano de fundo do espetro de novos confrontos estava ontem a investigação anunciada pela procuradora-geral, e antiga aliada de Hugo Chávez, Luisa Diaz. Também ela está por estes dias na mira do oficialismo, cujo domesticado Supremo Tribunal já se assegurou do afastamento da sua vice. Qualquer processo independente parece condenado no novo mundo do poder absoluto de Maduro, mas, na quarta-feira, Luisa Diaz aprovou na mesma uma investigação à aparente fraude na contagem da participação nas eleições de domingo. “Foi escandaloso”, disse à CNN, afirmando que o número verdadeiro de eleitores pode ser menos de metade dos oito milhões anunciados.