A um mês do início das aulas do próximo ano letivo, o Ministério da Educação recusa divulgar quais serão as escolas básicas e secundárias que irão testar a reforma curricular. Ou seja, em maio e junho, os pais matricularam os alunos sem terem conhecimento se a sua escola irá aderir, ou não, à chamada flexibilização curricular.
Em causa estão alterações à gestão do número de horas das disciplinas e do seu currículo e conteúdo, cabendo a cada escola decidir a forma como vai dar aulas.
Para já, a flexibilização curricular vai avançar apenas nos 1.o, 5.o, 7.o e 10.o anos de escolaridade (anos em início de ciclo) e apenas num grupo de escolas, públicas e privadas, através de um projeto-piloto. Mas a intenção da tutela é que, de futuro, avance em todas as escolas básicas e secundárias.
Ao i, os diretores dizem que serão 160 as escolas que vão avançar no projeto-piloto, número que o Ministério da Educação – que tem vindo a ser regularmente questionado sobre este assunto desde maio – recusa confirmar. Ou seja, não se sabe ao certo o número de escolas que vão ter a flexibilização curricular, quais serão essas escolas e quantas são públicas e privadas. O único número admitido pela tutela até à data consta de uma resposta dada pelo gabinete de Tiago Brandão Rodrigues, enviada ao parlamento, admitindo que seriam cerca de 140 escolas.
Pais fazem matrÍculas sem saber as escolas
Esta falta de informação levou a que os pais ou encarregados de educação tivessem matriculado os alunos em escolas sem saberem se a flexibilização curricular vai ser testada nesse estabelecimento de ensino ou não – informação que pode ser “decisiva” na hora de escolher uma escola para os alunos, apontam ao i os pais.
Além disso, a reforma curricular não vai ser aplicada em todas as turmas das escolas que vão aderir ao projeto. Serão as escolas a selecionar as turmas onde vai ser aplicado o projeto. E os pais garantem ao i que não lhes chegou qualquer tipo de informação por nenhuma via. “Não tenho dúvida de que qualquer pai tenha feito a matrícula sem saber o que se vai passar. Devíamos ter conhecimento disso previamente”, critica ao i o presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), Rui Martins. Dessa forma, os pais e encarregados de educação “poderiam ter optado pela escola A ou B mediante o projeto que vão ter”, sublinha o representante dos pais. Rui Martins entende ainda que “ era dever que os pais tivessem sido informados com mais tempo, por todas as pessoas que estão por dentro do assunto”, pelas escolas ou pela tutela.
Também a Confederação de Pais (Confap) diz ao i que está “apreensiva” e “expetante” com a falta de informação. Até porque a distribuição de alunos pelas turmas onde será aplicada a flexibilização curricular é feita pelas escolas, sem que os pais sejam consultados.
Além disso, alerta o presidente da Confap, Jorge Ascensão, esta é “uma alteração ao modelo de trabalho que é aplicada apenas em algumas turmas”, num contexto em que “não haverá diferenças na avaliação entre os alunos que vão testar a reforma curricular e os do atual currículo”.
A única resposta do gabinete de Tiago Brandão Rodrigues que chegou ao i diz que “as escolas estão a trabalhar e estão a tomar as decisões relativas ao conjunto de turmas que participam. Estas decisões dependem da validação final das turmas no processo de matrículas e inscrições, que ainda decorre”.
Cenários em cima da mesa
As medidas previstas foram apresentadas às escolas pelo secretário de Estado da Educação, João Costa, em maio, numa reunião em Coimbra. Esta reforma traz uma alteração da gestão das aulas e das matérias das disciplinas que se devem focar “no essencial”, cabendo a cada escola optar por vários cenários possíveis.
Os diretores podem fazer a fusão de algumas disciplinas, como a Física e a Química com as Ciências Naturais, e alargar a fusão da História com a Geografia (que já acontece nos 5.o e 6.o anos) a mais níveis de escolaridade.
Nesse caso, os professores destas disciplinas podem trabalhar os conteúdos e planear as aulas em conjunto, cabendo a gestão à escola. “Em bom rigor, pode haver uma semana em que os alunos não veem um professor (de alguma destas disciplinas) e até é possível os dois professores combinarem e estarem os dois dentro da sala de aula, de acordo com a planificação integrada”, explicou João Costa.
Outro dos cenários possíveis é a escola parar de cumprir o programa da disciplina durante uma semana do 1.o período do ano letivo para trabalhar outros temas. Todos os resultados das medidas adotadas pelas escolas serão acompanhados pela Inspeção-Geral da Educação, pela Direção-Geral de Educação e pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, através de avaliação externa.
Serão estas medidas que as escolas têm vindo a trabalhar no último mês.
Recorde-se que, no final de 2016, quando o Ministério da Educação anunciou a flexibilização curricular, era sua intenção aplicar a reforma em todas as escolas básicas e secundárias a partir do próximo ano letivo – intenção que foi travada pelo primeiro-ministro de forma a evitar contestação no início do ano letivo, em ano de eleições autárquicas. Também Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de procurar garantias junto do governo para que ficasse “assente” que “não era a intenção” avançar com a reforma curricular em todas as escolas no próximo ano letivo.
Foi então que o governo, de forma a que o Ministério da Educação não perdesse a face, decidiu testar a medida através de um projeto-piloto.