Pyongyang ouviu as ameaças de Donald Trump, respondeu até no próprio dia, mas só hoje demonstrou com nitidez que, na guerra das palavras, é o reino dos Kim que tem o mais avançado exército do mundo. O general das forças coreanas anunciou que o líder americano “está alienado do bom senso”, que as suas ameaças foram “um monte de disparates” e disse que, com alguém assim, o “diálogo é impossível”. Kim Rak-gyom não ficou por aqui e fez exatamente aquilo que Trump disse na quarta que não voltaria a aceitar: ameaçou os EUA. E de uma forma invulgarmente – e alarmantemente – detalhada.
O general norte-coreano disse que o regime já tem um plano de resposta e que está apenas a afiná-lo. Em meados deste mês, disse Kim Rak-gyom, as suas forças armadas vão estar em condições de disparar quatro mísseis de alcance intermédio Hwasong-12 que, segundo calcula, vão sobrevoar as províncias japonesas de Shimane, Hiroshima e Koich, e, ao fim de 17 minutos, 45 segundos e um pouco mais de 3 mil quilómetros, cairão a não mais de 40 quilómetros da costa de Guam, o território americano no Pacífico onde os Estados Unidos têm uma das suas mais importantes bases aéreas. Tudo o que falta, diz o general, é a aprovação do líder, Kim Jong-un.
A Coreia do Norte nunca tentou um disparo desta natureza e as suas implicações – como muito do que acontece na escalada de provocações da última semana – são inesperadas. Nunca um engenho do regime sobrevoou o território japonês ou atingiu as águas próximas de um território americano. Os mísseis de teste, mesmo os de longo alcance disparados no último mês, são lançados em ângulos exageradamente agudos, de forma a caírem sem ultrapassar as águas que dividem a península coreana e o Japão. O cenário mais provável é que os quatro mísseis sejam intercetados pelos sistemas de defesa japoneses e americanos. Mas a maior ameaça é o gesto. Trump traçou uma linha vermelha na quarta, dizendo que novas ameaças norte-coreanas seriam retaliadas com “fogo e fúria”. Quatro mísseis a dezenas de quilómetros de Guam ultrapassam-na.
Os Estados Unidos também não dão sinais de quererem suavizar as ameaças. Pelo contrário. Ao final de um dia passado a lançar-se ao líder dos republicanos no Senado por ainda não ter sido capaz de eliminar o sistema de saúde de Barack Obama, Donald Trump afirmou aos jornalistas, no seu resort de golfe de Nova Jérsia, que o regime coreano deve estar “muito, muito preocupado” com o estado atual de coisas e sugeriu que as suas ameaças até podem nem ter sido “suficientemente severas”. De resto, Trump carregou no tom histórico da provocação, afirmando que, em caso de uma manobra contra os EUA, a Coreia do Norte vai ver-se em “apuros como poucos países estiveram antes dela.”
O seu governo ainda procura um tom consensual, mas o dossiê coreano parece definitivamente fora das mãos da diplomacia e nas mãos dos militares. O Departamento de Estado passou a semana a sugerir uma abordagem de diálogo à crise, mas ontem, na conferência de imprensa diária em Washington, o órgão da diplomacia americana reafirmou aos jornalistas os comentários do responsável da Defesa, que disse na quarta que o exército está “forte e capaz”. A mensagem reforçou-se numa entrevista de um dos mais próximos e conservadores conselheiros de Trump. “Devem dar ouvidos ao presidente”, disse Sebastian Gorka à BBC. “A ideia de que o secretário [Rex] Tillerson deve discutir assuntos militares é simplesmente incompreensível. Cabe ao secretário da Defesa [Jim] Mattis falar de opções militares.”