Sines. O mundo é uma grande sopa de música

Todos os anos se abre uma espécie de buraco negro cósmico que faz concentrar numa pequena localidade do Litoral Alentejano músicos de todo o planeta. Uma semana que prova que é na miscigenação das músicas que se expressa toda a nossa humanidade comum

Os rolos de alcatifa vermelha ainda estavam a ser colocados na área do Castelo de Sines, que estava atrás do palco principal do Festival das Músicas do Mundo 2017 (FMM2017), quando no ar soaram os acordes do ensaio de som do projeto de Richard Bona Mandeken Cubano. Depois da preparação, um dos maiores baixistas do mundo, Richard Bona, que começou a tocar na sua aldeia dos Camarões roubando os fios dos travões de uma bicicleta para construir o seu primeiro instrumento, defende essa mistura: “Os blues são, antes de tudo, um conjunto de cinco notas que estão presentes em diferentes lugares e muitas expressões musicais. Encontram-se no Mississípi como na África ocidental, mas também soam na Irlanda, assim como no flamenco espanhol, em muitos locais onde é impossível conseguir demonstrar que foram os negros, através da escravatura, que os trouxeram com as suas grilhetas. As origens dos blues são um mistério”, garante. 

World Music, Músicas do Mundo, o que pode ligar um grupo da Mongólia a um do Brasil? Todas as línguas parecem separar-nos. É possível que todas as notas musicais nos unam?

Comecemos por uma breve tese mitológica. A humanidade desafiou Deus ao tentar construir uma torre que tocava os céus. A Torre de Babel era uma construção que o Senhor não podia ignorar: mostrava a afirmação de génio e liberdade dos homens a erigir o seu próprio caminho. A torre foi derrubada por ordem divina e os homens divididos numa babel de línguas. Deixaram de falar a língua divina em que cada palavra definia perfeitamente o seu objeto, dando todo o poder a quem a pronunciava. Deus tinha criado as coisas nomeando-as – o conhecimento da palavra concreta e perfeita que define uma coisa é uma forma de mandar nela. Conhecer é poder.

A Cabala é a tentativa de recuperar a língua divina. Opera através dos recursos infinitos da témourah que, mais do que ler, pretende repetir os procedimentos com que Deus (Iahvé) criou o mundo, nomeando-o. Este princípio é explícito no Séfer Yetsira, o “Livro da Criação”, em que as pedras com que Iahvé fez o mundo são as dez Séfirots e as 22 letras do alfabeto. Provavelmente, mais diretas que as Séfirots são as oito notas musicais. Elas, por vezes, têm a capacidade de nos devolver a memória das coisas até à infinidade do tempo. É pelo menos essa a teoria do colombiano Jacobo Vélez, dos La Mambanegra. No último álbum de um dos mais importantes grupos da Colômbia, “El Callegüeso y su Mala Maña”, conta-se a história do bisavô de Vélez, um herói do bairro operário da cidade de Cáli. A tetravó de Vélez foi escrava, o seu neto, e bisavô de Jacob Velez, tinha o nome de Tomás Rentería e tentou entrar com amigos num concerto do famoso Trio Matamoros, que viviam em Nova Iorque e estavam de digressão em Cáli. Foram barrados pelos seguranças. Horas mais tarde, quando se enfrascavam num bar, por frustração, entraram os músicos de surpresa. Passaram todos a noite a tocar e a beber, enquanto se bailava no bar. Um dos músicos do Matamoros, Ciro, convenceu Tomás de que tinha de ir para Nova Iorque conseguir fortuna e fama. No dia seguinte, ele pegou nos seu poucos haveres e lançou-se ao caminho. Perto do Panamá, apanhou um barco para Cuba. Quando estava perto de Havana, os marinheiros roubaram-lhe os parcos haveres, bateram-lhe e atiraram-no, inconsciente, ao mar. Foi salvo por um pescador. Tinha perdido a memória. Quando acordou, o seu salvador disse--lhe: “Esperava-te, el Callegüeso.” O homem sem memória viveu sete anos em Havana, onde conheceu o músico Chano Pozo, célebre percussionista cubano, um dos gigantes do jazz afro-cubano, que morreu em Nova Iorque em 1948. Chano Pozo ofereceu-lhe uma flauta africana de ébano, “La Mambanegra”, que tinha o poder de devolver a memória a quem a tocasse. Quando pergunto a Jacobo Vélez sobre a coincidência de a flauta ter nome de serpente venenosa, tal como o réptil que convenceu Adão e Eva a comerem o fruto da árvore do conhecimento, no Paraíso, Vélez ri-se e diz-me: “Não há coincidências.” Quando Tomás recuperou a memória, quis agradecer a Chano, mas não conseguiu. Disseram-lhe que ele tinha ido para Nova Iorque para tocar com Dizzie Gillespie. Tomás resolveu ir atrás dele para Nova Iorque, onde fundou uma orquestra de salsa nos anos 40. O rasto de Tomás, El Callegüeso, começa a esfumar-se. Prometeu à namorada ir com ela para a Nigéria, para poder visitar a terra dos seus antepassados. Mas nunca mais apareceu. 

Em 2012, um grupo que investigava a vida de El Callegüeso chegou a uma pista estranha. Um taxista afirmava haver um homem velho, que tocava flauta, numa casa do bairro operário de Cáli. “É um senhor sempre vestido de branco que anda sempre com uma flauta na mão.” Foram ter com ele, que confirmou que era do sangue de Jacobo. Ofereceu-lhes a partitura das nove músicas que compõem o álbum. Quando o quiseram visitar mais uma vez, só restava uma mulher que lhes disse que ele tinha ido embora, “para a Nigéria, procurar a tumba de uma tal Nina”. Perante as histórias que dão letra ao disco dos La Mambanegra, interrogo Jacobo Vélez como é possível fazer realismo mágico num palco. Repete a pergunta várias vezes, olha-me nos olhos e diz-me: “Realismo mágico é um recurso literário, não sei como seria possível levá-lo à música. Mas é verdade que, do ponto de vista editorial, os La Mambanegra apoiam-se numa história. E essa história tem matizes de realidade e ficção, mas na hora de construir as músicas entram outras variáveis, e esse recurso literário serve-me para infetar as letras.” 

Sobre as músicas, concede que as viagens e desventuras do seu bisavó, entre Colômbia, Cuba e Nova Iorque, onde funda um orquestra de salsa com o nome “La Mambanegra”, e a Nigéria, onde acaba por desaparecer, explicam as influências musicais da contemporânea La Mambanegra sob a batuta do neto Jacobo Vélez. “Há características que têm que ver não só com o que somos, como latino-americanos. Todos, para além disso, somos humanos. É preciso perceber que somos uma só raça e que o nosso encanto está nas diferenças dentro disso”, explica.  

Para entender isso, durante nove dias sucedem-se 56 concertos em Porto Covo e Sines. Por ironia da História, muitas vezes repetida ao longo das 19 edições do Festival Músicas do Mundo, a terra que viu nascer Vasco da Gama alberga um dos eventos musicais mais plurais e diversificados, juntando músicos de todo o planeta. O processo dos Descobrimentos não foi um paraíso. “O tempero do mar foi lágrima de preto/ Papo reto, como esqueletos, de outro dialeto/ Só desafeto, vida de inseto, imundo/ Indenização? Fama de vagabundo/ Nação sem teto, Angola, Ketu, Congo, Soweto”, cantou o rapper brasileiro Emicida no palco do Castelo de Sines. Depois do inferno vem o paraíso, onde muitas culturas se encontram num sítio com gentes e história.

Grande parte do encanto do Festival das Músicas do Mundo é não ser um festival de verão como os outros. É feito numa terra, com as suas pessoas, as suas ruas e as suas histórias, mesmo que elas estejam imersas em lendas e fantasias. Há poucas coisas que não se chamam Vasco da Gama em Sines. Até há um bolo, na pastelaria mais central, que se chama “o vasquinho”, nome dado, segundo rezam as más línguas locais, por um antigo presidente da junta de freguesia de Sines, para se meter com os visitantes, apesar de o bolo ter alguns ingredientes impossíveis de obter no tempo de Vasco da Gama, mas que certamente apareceram na Europa devido “às Descobertas”. Esse presidente da junta, do PCP, António Correia, contava, rindo-se, o pragmatismo do ditador António Salazar em relação à História. Tendo consciência de que as pessoas só acreditavam se a “vissem”, mandou que se escolhesse uma casa da terra para passar a ser o sítio onde Vasco da Gama tinha nascido. Pouco importava que o local edificado fosse visivelmente mais recente. Atualmente, os historiadores inclinam-se para que ele tenha vivido na torre de menagem do castelo onde decorre o festival. 

A política, a história e a música estão inscritas na cidade. Ana Dias era adolescente quando passeava com uma amiga pelas ruas de Sines e ouviu música. Entrou pela porta da coletividade aberta e ficou por lá. “Nunca mais saí”, relembra. Aprendeu solfejo e a tocar um instrumento, mas também foi aprendendo a viver e trabalhar com outras pessoas e a escutar os mais velhos a relatarem a história desta terra de corticeiros e pescadores onde mais valia partir que torcer. “A minha vida começou a ser aqui. Aprendia música. Jogava futebol às escondidas com os amigos neste salão e ainda cá estou”, diz a mulher que começou a presidir à coletividade com pouco mais de 18 anos e a quem o jornal local chamou “a menina presidente da coletividade”.

A SMURSS (Sociedade Musical União de Recreio e Sport Sineense) foi fundada, com outro nome não tão suspeito, em 1927. Impedida de continuar pelo regime salazarista, foi “reorganizada” depois da revolução. O termo tem o seu quê de ironia histórica: “refundadores” é também o nome que tomaram os militantes comunistas, nos anos 30, que deram um novo fôlego a um partido debilitado pelas incursões da polícia política da ditadura. Fizeram-no ligando mais a militância às lutas populares nas fábricas e nos campos. Mas voltemos a Sines. A coletividade foi refundada a 1 de maio de 1975, Dia do Trabalhador, e as suas instalações foram erguidas com o trabalho da população, num terreno cedido que hoje se encontra sob a ameaça de ser retirado, desalojando assim uma casa construída pelo povo. A história de muitas coletividades alentejanas é muitas vezes uma história de resistência em que as populações se encarniçam na defesa das suas associações, sabendo que foram também elas que lhes deram o cimento para afrontar um regime que as condenava ao silêncio e à exploração. Depois da II Guerra Mundial, o regime desconfiava de todos os ajuntamentos de mais de duas pessoas. Para o salazarismo, alentejanos a fazerem coisas em comum, mesmo que fosse “apenas” música, era uma conspiração subversiva. Todos os cuidados eram poucos para a PVDE, que passou a PIDE e acabou disfarçada de DGS, numa terra contestatária e insubmissa como Sines, onde os pescadores e assalariados rurais se tinham revoltado pela liberdade mais do que uma vez. Como provava a greve geral insurrecional de 18 de janeiro de 1934, em que os trabalhadores de Sines, Silves, Marinha Grande, Almada e mais algumas localidades com uma presença importante de operários e assalariados rurais param o trabalho e tentam tomar as suas ruas de assalto. “A seguir à II Guerra Mundial juntaram-se alguns músicos. A coletividade existia desde 1927, mas estava desativada, e depois foram obrigados a recolher os instrumentos. Só depois, em 1975, conseguiram voltar a funcionar”, confirma Ana. “Os mais velhos tentaram sempre, quase na clandestinidade, que não se perdesse o caminho da música, mas só depois da conquista da liberdade é que isso foi possível.” Ana Dias também reconhece que com a morte recente de Durval Prata Ferreira, um resistente antifascista que foi dos grandes dinamizadores da coletividade, houve um ciclo que se fechou. “Hoje, as coisas estão diferentes, as pessoas só apostam no que é fácil. É necessário reinventar as coletividades para conseguir interessar uma nova geração.”

Uma ressaca revolucionária que Carlos Medeiros, do grupo açoriano Medeiros/Lucas, viveu duplamente. Quando lhe pergunto como foi o PREC e as bombas nas sedes dos partidos de esquerda nos Açores, e como é que começou a cantar, Medeiros ri-se e ironiza: “Complicado. Levei uns sopapos na cara. Ameaçavam que me iam bater. Bebia muito. Bebia mais. Eu não era ninguém, só os mais ativos de esquerda foram expulsos das ilhas. Adotei o lema de beber, beber muito e calar. Aquilo na altura da FLA [Frente de Libertação dos Açores] era complicado. Eu tive foi de me calar e bebia por causa do falhanço da revolução, chorávamos todos no ombro uns dos outros. (risos) Os revolucionários ficaram tristes, pelo fim do sonho.” Hoje confessa que não bebe, apenas canta, como o fez no Centro de Artes de Sines: “Desde o fundo do Tempo/ O Homem vê-se sofrido/ Depois o peito embate/ E tudo se faz cumprido/ No fim silêncio ouvido/ E nele o jogo vencido.” 

Sines é uma terra pequena. Coincido no mesmo restaurante que Emicida, um dos mais famosos rappers do Brasil. À noite formam-se filas para entrar no castelo. Na ponta delas, uma equipa da GNR revista os sacos e, às vezes, as pessoas, em busca de droga e algo mais. Em palco, Emicida lembra o orgulho de cantar e de poder estar em sítios como este. Mas que há muitas coisas ainda a fazer. “Eu nasci numa casinha pobre de madeira, numa favela, e estou cá.” Mas diz que mesmo cumprindo esse sonho de cantar, o pesadelo persiste. “Há pouco entrei pela porta de todo o mundo. Eu respeito os policiais que velam pela segurança de todo o mundo. Mas ao passar por eles, disseram-me, ‘tira o casaco que vocês, os do teu tipo, andam sempre armados’.” E recomeçou a cantar, poderia ser a letra da sua canção “Levanta e Anda”: “Quem costuma vir de onde eu sou/ Às vezes não tem motivos pra seguir/Então levanta e anda, vai, levanta e anda/ Vai, levanta e anda.” 

No dia seguinte surge no mesmo palco um grande nome da música de Cabo Verde, Mário Lúcio, o homem que pega numa tradição musical riquíssima e a recria de uma forma sempre nova. Para nós, reivindica essa capacidade universal da música de expressar sentimentos individuais que toda a gente entende, mesmo que de formas diversas. “Para isso concorre que a leitura do som é a coisa mais universal e, ao mesmo tempo, a mais particular que há. Todos nós entendemos mas, ao mesmo tempo, cada um de nós o entende de uma forma diferente e pessoal. O mesmo só faz sentir milhares de coisas diferentes. Não só pela força, mas pelo facto de os sons serem símbolos sonoros. E quando eu os oiço, isso reporta-me à minha cultura. Se na cultura cabo–verdiana o tom maior é a alegria, há culturas em que os tons maiores expressam mais tristeza”, diz. 

Lura, que viveu até aos 21 anos fora de Cabo Verde e subiu ao palco no dia seguinte, vê a sua inscrição na música cabo-verdiana de uma forma muito distinta. “Não cantaria da mesma maneira se tivesse nascido em Cabo Verde. Esta saudade de algo que não conhecia é que espoletou esta minha vontade de cantar música cabo-verdiana. A música já me tinha feito viajar, e com o outro lado de mim que eu não conhecia, antes sequer de pôr os pés nas ilhas”, afirma. 

Ao mesmo tempo que decorre o FMM, na praia apresentam-se as tasquinhas, uma iniciativa gastronómica que junta grupos, coletividades e até forças políticas locais que dão a conhecer aos visitantes as especialidades da terra. Sines é uma das localidades do Alentejo com uma maior comunidade cabo-verdiana. Não espanta, portanto, que uma das barraquinhas seja de comida africana. Jenny, enquanto vai registando os pedidos das pessoas, vai falando para o “Sol”. O prato mais pedido nestes dias é cachupa e muamba, e sobre a participação no FMM e a participação de Mário Lúcio e Lura no festival, Jenny é perentória: “As músicas do mundo são muito importantes do ponto de vista cultural mas, também para nós, ver Mário Lúcio e Lura a cantar faz-nos sentir representados aqui em Sines, que também é a nossa terra.” Percorrendo as barraquinhas de gastronomia, podemos ver na do Vasco da Gama, principal clube de futebol da terra, ser preparada uma salada de búzios. Não conseguimos falar com o presidente “porque neste momento ele está a assar sardinhas”, diz-nos uma senhora ao balcão. Na barraquinha do SIM (Sines Interessa Mais), movimento independente que concorre à câmara, Rafael Roberto vai-nos dizendo que, embora sejam um movimento político, aqui o que servem é comida para que as pessoas possam conhecer melhor a terra e comerem petiscos. “Deixamos a propaganda e a palavra política para outros espaços.”

A alguns metros, Bruno Martins, do PCP, atende as pessoas com a camisola estampada com a frase do Manifesto Comunista “Proletários de todos os países, uni-vos”. A sorrir, este militante alentejano diz que aqui a ementa é constituída pelos “melhores petiscos e excelente ideologia”, e que é importante estar sempre nas festas populares, que esse é o papel de um partido que quer ser do povo.

Meia hora depois, os Ativistas do Alentejo Litoral pelo Ambiente e da campanha Linha Vermelha aproveitam a presença da comunicação social no FMM2017 para fazerem uma ação em que denunciam a exploração de petróleo na costa alentejana e um furo de prospeção em Odemira. Os ecologistas cobrem-se de tinta de choco, dada pelas peixeiras de Sines, para simularem gente coberta de petróleo. Cármen Francisco, do ALA, justifica o tipo de ação. “O ALA constituiu-se em novembro do ano passado para lutar contra a exploração de petróleo na costa, e concretamente na costa alentejana. Esta ação é feita contra a prospeção prevista de petróleo na costa de Odemira, que o governo diz que não vai acontecer, mas que tem uma licença válida que ainda não foi retirada. O ALA alerta para os perigos ambientais da exploração do petróleo, em concelhos que vivem, tirando Sines, sobretudo do turismo, e para as populações que aí habitam.” Cármen faz notar que estas ações em Sines têm normalmente dois objetivos: sensibilizar a população, grande parte da qual trabalha na indústria relacionada com os combustíveis, e chegar à opinião pública. Catarina, da campanha Linha Vermelha, fala connosco coberta de tinta de choco. O nome da campanha deve-se ao facto de já ter-mos ultrapassado os patamares de poluição que o nosso planeta suporta. “Esta ação é uma forma de conseguir alertar a população mais nova e mais velha sobre o perigo dos derrames e da exploração de petróleo na costa, para o mar e para as pessoas.” No dia 12 de agosto, em Odeceixe, os ambientalistas vão fazer mais uma ação. 

Se o ambiente fala de um futuro que se está a tornar impossível, o grupo colombiano Bulldozer faz um ateliê, com crianças acompanhadas pelos país, sobre como dançar música da Colômbia. O líder do grupo, Fábian Morales, começa por explicar como é que um grupo de Bogotá toca soukous de África e champeta de Cartagena, que já é uma mistura de música do Caribe com sonoridades africanas, e lhe junta uma tonalidade rock forte e dançável. “Como muitos jovens da minha idade, eu cresci a escutar Kurt Cobain e os Nirvana. Mas um dia foi-me parar às mãos um disco de soukous. Foi uma revelação. Mudou a minha vida. Nesse dia, peguei na guitarra e tentei tocar como um africano, mas não conseguia. Tinha os dedos preguiçosos. Então resolvi que não podia desistir e passei a tocar esta música da forma que conseguia tocar.” Assim começaram os Bulldozer, uma das bandas que encerraram o FMM no palco da praia, às quatro da manhã. A jovem banda de Bogotá são um exemplo de como a música se mistura em cada povo com condimentos de muitos outros e de como as identidades se constroem com os outros e bebendo em muitas culturas. Constituídos por Sandro Londoño nas percussões, Adela Espitia na voz e Fábian na guitarra, lançaram o disco de soukous hardcore “Cannibal Dancer”. 

Nesta manhã, à hora do pequeno-almoço, dezenas de crianças e pais, sob a batuta de Adela, aprendem a dançar. Ela começa por explicar os dois ritmos de base, pelas palmas. Enquanto os outros tocam. É preciso “acalentar” (aquecer), diz. Segue-se a cabeça, os ombros, a cintura e as pernas. O grau de dificuldade vai subindo, mas toda a gente se lança a dançar. Sempre no “um” e “dois”, os ritmos básicos da champeta. Adela vai meneando as ancas, movendo as pernas e, de repente, a plateia toda, fria como só os europeus sabem ser, já está quente o suficiente para não parar de dançar. Até uma criança de gatas resolve participar.

Para o ano há mais e assinalam-se os 20 anos do Festival das Músicas do Mundo.