Donald Trump caiu na crise coreana como uma grande bomba de imprevisibilidade e, numa semana, elevou o nervosismo a um patamar onde um erro de cálculo ou interpretação pode ser desastroso. A situação não é inteiramente inédita, mas é mais volátil do que antes e, no fim do mês, há um grande barril de pólvora na forma dos exercícios militares realizados todos os anos a poucos quilómetros da fronteira com a Coreia do Norte. O Presidente americano, além do mais, avisou ontem que está disposto a tudo e que não volta atrás nas ameaças da semana. «As soluções militares estão agora totalmente instaladas, preparadas e prontas a disparar, caso a Coreia do Norte faça alguma coisa pouco sábia», escreveu ontem noTwitter. «A esperança é que Kim Jong-un encontre um caminho diferente».
Durante a semana, contudo, nem Kim Jong-un nem Donald Trump encontraram outro caminho para além do da provocação mútua. Respondendo às novas sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – que aprovou por unanimidade um dos mais severos castigos económicos contra o regime norte-coreano de que há memória –, Pyongyang lançou-se na habitual ameaça em hipérbole, afirmando que os Estados Unidos vão sofrer uma retribuição «milhares de vezes» mais danosa do que os novos castigos económicos contra a dinastia dos Kim.
Mais tarde, o regime disse ainda que iria responder de «uma forma física» às novas sanções, o que na maior parte das vezes significa testes balísticos ou até nucleares. Em todo o caso, nada fora do guião usual do discurso norte-coreano.
Foi o líder americano quem literalmente escapou ao guião na terça-feira. Trump estava no seu resort de golfe em Nova Jérsia, onde por estes dias passa um período de férias com algumas reuniões, quando lançou aos jornalistas a mais nítida e agressiva ameaça de guerra nuclear contra a Coreia do Norte sem que os seus assistentes ou pessoal dos conselhos militares estivessem a par. «O melhor para a Coreia do Norte é não fazer mais ameaças aos Estados Unidos», lançou, quando questionado sobre uma notícia que nesse dia avançava o Washington Post, avançando que o regime de Kim Jong-un pode já ter a tecnologia necessária para colocar uma ogiva nuclear nos seus mísseis de curto, médio e longo alcance. Caso não acabem as ameaças, prosseguiu Trump, «vão receber em resposta um fogo e uma fúria como o mundo nunca viu. Fogo, fúria e, francamente, poder de uma espécie numa antes vista neste mundo».
Probabilidade de erro
O mundo foi apanhado de surpresa, o próprio Governo americano também e parecem ter caído pelo chão os esforços que o secretário de Estado Rex Tillerson fez apenas há duas semanas, numa viagem asiática onde tentou abrir pela primeira vez a porta a um diálogo com o regime norte-coreano desde que as últimas negociações falharam, em 2009. É a primeira vez que um Presidente americano responde às usuais e exageradas ameaças norte-coreanas no seu tom e não demorou muito até que o regime voltasse à carga, primeiro dizendo que Trump «está alienado da razão», que é «incapaz de compreender a gravidade da situação», que lançou um «monte de disparates» e, na quinta-feira, anunciando que o seu exército está a preparar o disparo de quatro mísseis de médio-alcance para perto das águas do Guam, um território americano no Pacífico onde se situam duas das mais importantes bases militares norte-americanas.
Esse era o ponto de situação até às ameaças de ontem vindas do resort de golfe e conta do Twitter de Donald Trump. Os observadores afirmam que a situação não se modificou muito e que ambos os países continuam sem fazer preparações militares que possam antever uma agressão. Os dois países sabem que uma guerra acabaria na extinção do Estado norte-coreano e na morte de centenas de milhares de pessoas, possivelmente mais de um milhão, sobretudo cidadãos japoneses e sul-coreanos, sobre quem cairia o grosso do poderoso arsenal balístico e de artilharia norte-coreano. O perigo, dizem politólogos e estrategas, reside no erro.
«Em muitos sentidos, o padrão de retórica beligerante e demonstrações militares é semelhante aos de anos anteriores, e – o que é mais importante – o conflito ainda é improvável», explica Alison Evans, analista de risco na empresa IHS, em declarações ao Washington Post. «A situação de hoje é diferente de outros períodos de maior tensão no sentido em que ambos os lados estão a fazer ameaças substanciais e muito específicas, dizendo que vão atingir um e outro caso o julguem necessário. É neste tipo de diplomacia que o risco de um erro de cálculo é elevado, particularmente no que diz respeito à avaliação do que é que constitui uma intenção iminentemente hostil vinda do lado oposto e sobre qual será a sua resposta a uma ação potencialmente agravante».
A China, o indispensável pilar económico e existencial do regime norte-coreano, passou a semana mais ou menos silenciosa, pedindo calma a norte-americanos e coreanos mas não intercedendo de uma forma significativa. Alguns observadores sugerem que as mútuas ameaças entre os dois líderes imprevisíveis só beneficia Pequim, que espera ocupar os vazios diplomáticos que o novo Governo americano pode deixar ao retirar-se comercialmente de vários tratados e ao criar relações de animosidade com antigos aliados. Ontem, porém, um dos mais importantes jornais chineses, o Global Times, indicava em editorial que a China não deve ajudar o regime norte-coreano no caso de um ataque sem provocação contra os Estados Unidos. Defendia, no entanto, que o oposto devia ocorrer: caso sejam os americanos a atacar primeiro, Pequim deve colocar-se do lado do seu regime irmão e expandir a guerra.