No início de agosto, o Banco de Portugal (BdP) revelou que a dívida pública portuguesa aumentou 1,8 mil milhões de euros em junho, para 249,1 mil milhões de euros – um novo máximo.
Apesar de junho ser final de trimestre, o BdP não revela o peso da dívida pública no produto interno bruto (PIB), dado que o Instituto Nacional de Estatística (INE) só segunda-feira divulga as contas do segundo trimestre.
No primeiro trimestre, o endividamento público estava em 130,5% do PIB, abaixo do recorde de 133,1% atingido no terceiro trimestre do ano passado.
O IGCP, a agência que gere a dívida pública, assumiu que o valor nominal desta não deverá cair este ano, mas que o rácio face ao PIB deverá aliviar.
Mesmo com este alívio, o valor ficará próximo dos 130% do PIB, o que torna a dívida pública, a par da fragilidade do sistema financeiro, o principal obstáculo ao crescimento da economia portuguesa. «A evolução do rácio da dívida pública sobre o PIB é preocupante e é seguramente um dos maiores problemas da nossa economia. Se a isso aliarmos um excesso de endividamento privado, fica explicado por que temos tanta dificuldade em crescer economicamente», aponta João Pereira Leite, diretor de investimentos do Banco Carregosa, ao SOL.
«Esta é uma vulnerabilidade importante da economia nacional, porque uma eventual deterioração do contexto externo… poderia resultar num rápido regresso das dificuldades de financiamento do país», diz o economista da IMF, Filipe Garcia. Daí que a gestão da dívida pública a médio e longo prazos seja vista como essencial para colmatar esta debilidade.
O IGCP tem apostado na emissão de dívida para pagar a a dívida anterior, fazendo assim o roll-over da dívida antiga com taxas de juro mais baixas na dívida que vai ser emitida face à dívida que se vence, reduzindo o custo da dívida (montantes pagos em juros).
«A política de gestão da dívida realizada pelo IGCP tem sido caracterizada pelo reperfilamento (extensão) das maturidades da dívida e pelo reembolso antecipado de parte do stock de dívida (…) que está subjacente um custo de financiamento mais elevado», revela a análise do Big Resarch. «O IGCP procura assim retirar benefícios do actual contexto de taxas de juro sem risco historicamente baixas», acrescenta, lembrando que «apenas 4% da dívida emitida este ano tem uma maturidade inferior a quatro anos» e defendendo que «a diversificação da base de investidores em dívida pública portuguesa deve manter-se como um dos principais objetivos no médio prazo».
Ainda assim, diz João Leite Pereira, o IGCP «tem um papel mais secundário, pois na prática são as políticas do BCE que condicionam positivamente a evolução da dívida pública».
O fim da política de compra de ativos do Banco Central Europeu (BCE), que deverá começar a ser delineada no Outono, deverá levar a um aumento das taxas de juro de todas as obrigações europeias. «Este provável movimento terá de ser estabilizado através do reforço da confiança nas economias europeias. No caso português, é fundamental o reforço dos principais indicadores macroeconómicos, incluindo os esforços de redução do défice, no sentido de assegurar a confiança na economia portuguesa», sintetiza ao SOL Henrique Romão Dias, gestor da corretora XTB.
Reestruturação fora do léxico
A redução do défice aliada ao crescimento económico é a aposta do Governo para a redução do rácio da dívida sobre o PIB, sem ter de haver uma reestruturação da dívida pública, uma questão em debate na política e na opinião pública do país.
Esta semana, em entrevista publicada no diário espanhol El País, o ministro das Finanças descartou a hipótese. «Não o tínhamos nos nossos planos na campanha eleitoral, nem o contemplamos agora: não se pode lutar contra o mercado. Há que domá-lo, não lutar contra ele», disse Mário Centeno.
«Esta é uma questão que poderá vir a ser falada, mas não para já. No futuro, caso o ciclo económico traga um momento contracionista para a economia portuguesa, poder-se-á retomar o debate sobre o problema da dívida excessiva», diz Henrique Romão Dias.
O Programa de Estabilidade 2017-2021 do Governo prevê reduzir a dívida pública de 130,4% em 2016 até 109,4% em 2021. Se Portugal atingir uma dívida pública abaixo dos 100%, conseguirá enfrentar choques externos numa posição mais robusta. «Com o excesso de dívida pública, no momento em que as taxas comecem a subir na Europa, dificilmente o país conseguirá crescer a um ritmo económico que lhe permita diminuir sustentadamente o rácio da Dívida/PIB», diz João Pereira Leite.
Já Filipe Garcia defende que «uma reestruturação formal ‘à grega’» não é «necessária nem aconselhável nesta fase. O objetivo principal deveria ser a redução da dívida pública por via orçamental».
Se o crescimento económico se mantiver e Portugal continuar a consolidação orçamental, as questões relacionadas com a dívida serão mantidas em pano de fundo.