1. Os ingleses-I. Regressei a Portugal depois de ter trabalhado no Ensino Superior (ES) em Londres durante dois anos. Em próximas crónicas terei muito a dizer sobre essa experiência. Por exemplo, como a QAA (Quality Assurance Agency) para o ES (por cá muito admirada e molde da lusa A3ES), transformou a vida académica num pesadelo burocrático e o ES uma indústria híper regulada. Hoje falarei de algo menos palpável, a cultura organizacional inglesa (britânica?). Em Londres, privei de perto com um ‘executive coach’ que me contou que o grosso do seu trabalho resultava das dificuldades de integração de executivos americanos deslocados para trabalhar no RU. Mesmo trabalhando para a mesma empresa, o contraste cultural é grande. Segundo ele, nos EUA predomina uma ‘cultura direta’ em que divergências de opiniões, críticas ou mesmo conflitos são tratados com frontalidade e, por vezes, com alguma virulência. Em contrapartida, do lado de cá do Atlântico, predomina uma ‘cultura indireta’ onde à superfície o confronto é evitado mas não ignorado, permanecendo latente para um dia, talvez quando menos se espera, vir a ser resolvido por vias hierárquicas formais. Uma amiga, recentemente deslocada em Londres depois de 20 anos na América, sumarizava descrevendo esse comportamento como ‘passivo-agressivo’. Nada mais perigoso do que confundir a ‘fleuma’ britânica com equanimidade. Muitas vezes é só mesmo falta de frontalidade.
2. Populismo. Rui Tavares (RT) escreveu um interessante artigo sobre o populismo no Público do dia 9. São duas as premissas de RT – «o populista não ouve o povo» e «o populista não quer unir o povo» – para concluir que «o populista não quer saber do povo». Concordo com a conclusão e com a segunda premissa. Não me parece, todavia, que o populista não ouça o povo. Acho, aliás, que é precisamente o oposto: a sua principal virtude é ouvir povo muitíssimo bem, fazendo suas as simplificações grosseiras do eleitor mediano, fazendo seus os mais básicos preconceitos e medos e incorporando no discurso as pseudossoluções para os problemas que se ouvem em qualquer mercado ou corrida de táxi. A glorificação da pretensa sabedoria popular é a maior arma do populista. Nada ilustra o ponto como a ‘questão da imigração’ que para o ‘povo’ é a causa do desemprego e da insegurança. As soluções do populista cabem num ‘sound-bite’ e o povo tem paciência para pouco mais.