«Eu conheço um tipo que conhece um tipo», é uma frase mais característica de climas cinematográficos, mas continua a ser cada vez mais passível de aplicar às eleições autárquicas deste ano para a Câmara Municipal de Oeiras.
Depois de acusar Paulo Vistas, o presidente recandidato, de ser padrinho de casamento do juiz do Tribunal de Oeiras que chumbou sua a candidatura, Isaltino Morais jantou esta quinta-feira com Vítor Calvet, que é casado com a juíza-presidente da comarca da Grande Lisboa e Oeste: Rosa Vasconcelos.
Vítor Calvet é advogado e já prestou apoio jurídico a Isaltino Morais em processos judiciais, tendo sido nomeado administrador do Tagus Park por Isaltino, à data ainda presidente da Câmara de Oeiras. À mesa estavam também vários apoiantes de longa-data, assim como Madalena Castro (vereadora e este ano candidata a junta de freguesia), Luís Roldão (mandatário da candidadatura) e Eduardo Correia, também administrador do Tagus Park.
As distâncias à Justiça são, portanto, divergentes da proximidade com quem a exerce.
Eu conheço, tu conheces, nós conhecemos…
Depois de Isaltino Morais acusar Paulo Vistas de ser padrinho de casamento do juiz Nuno Tomás Cardoso, que rejeitou as listas da sua candidatura no Tribunal de Oeiras, Vistas veio a público revelar que a relação pessoal, de facto, existia, mas entre os três.
Em conferência de imprensa dada, o atual presidente da Câmara de Oeiras assumiu: «Conheço o sr. dr. juiz e o dr. Isaltino [Morais] também conhece. Conhecemos do mesmo sítio. Ele [Nuno Tomás Cardoso] antes de enveredar por essa carreira [de juiz], foi militante do PSD», contou Paulo Vistas. «Foi da comissão política do PSD de Oeiras, da qual o dr. Isaltino foi presidente da assembleia de militantes», clarificou à imprensa. Resumido: a ligação com Paulo Vistas que Isaltino utilizou para colocar a imparcialidade do juiz em causa era, no fim, também sua.
No entanto, Vistas diz não acreditar que a amizade «tenha pesado na decisão do juiz» de chumbar as listas que a candidatura de Isaltino Morais apresentou no tribunal de Oeiras e afirma que não sabia que seria Nuno Tomás Cardoso a avaliar as candidaturas até ao dia em que recebeu o despacho como todos os restantes candidatos. «Eu soube quem foi o juiz que proferiu o despacho no dia 8, quando o recebi o despacho», garantiu também.
Questionado sobre se o juiz deveria ter pedido escusa do processo devido ao facto de manter ligações pessoais com candidatos, a resposta foi breve: «Isso tem que perguntar ao sr. dr. juiz». O Conselho Superior da Magistratura, por sua vez, já abriu inquérito ao visado.
«Se houve candidaturas que não cumpriram com a lei, esse é um problema dessas candidaturas com o tribunal, não com outras candidaturas, nem comigo», defendeu-se Paulo Vistas, acusando Isaltino Morais de «tentar condicionar o sistema judicial e os tribunais».
«Fico triste com as declarações do dr. Isaltino. No passado, estive ao lado dele em situações semelhantes. Aquilo que eu combati no passado que lhe fizessem a ele foi o que ele me fez a mim agora», lamentou ainda, ao mesmo tempo que recusava responder se vai ou não agir judicialmente contra Isaltino Morais, de quem herdou o cargo.
As incoerências de um juiz
Apesar de ser magistrado em Sintra, Nuno Tomás Cardoso disponibilizou-se para trabalhar nas avaliações da comarca ao processo eleitoral autárquico. Dos cinco municípios que podia ter escolhido por integrarem a sua comarca, o juiz optou por Oeiras, onde o seu padrinho de casamento, Paulo Vistas, é presidente de Câmara.
O magistrado que chumbou esta semana as candidaturas independentes de Isaltino Morais e de Sónia Amado com base no mesmo argumento – questões processuais no recolher das assinaturas – teve, todavia, opinião diferente nas últimas eleições autárquicas, em 2013.
A avaliar a candidatura independente de que Isaltino e Paulo Vistas, ainda juntos, faziam parte, Nuno Tomás Cardoso rejeitou um pedido de impugnação contra a lista do movimento Oeiras Mais à Frente. «Mesmo que aquela [a referida lista] não estivesse completa no momento da subscrição, é no momento da entrega da lista que se concretizam os candidatos, e não antes», considerava, na altura, Cardoso, em documento citado pelo diário Público.
Não é só Oeiras
Também há quatro anos, na altura das últimas eleições locais, Valentim Loureiro era presidente da Câmara de Gondomar, não querendo recandidatar-se à presidência da Câmara, mas à Assembleia Municipal. O sucessor escolhido na autarquia era Fernando Paulo. Porém, a candidatura do movimento independente Valentim Loureiro Gondomar no Coração foi impedida de concorrer às eleições. Nesse ano, a juíza da comarca de Gondomar chumbou a candidatura também alegando irregularidades na forma como tinha sido realizada a recolha das assinaturas. Valentim Loureiro recorreu para o Tribunal Constitucional, que confirmou a sentença da juíza.
Em Oeiras, a candidatura de Isaltino Morais, o Grupo de Cidadãos Eleitores ‘Isaltino – Inovar Oeiras de Volta’ entregou no final desta semana uma reclamação da decisão do Tribunal de Oeiras de travar a candidatura por irregularidades nas assinaturas.
«A reclamação, entregue dentro do prazo de 48 horas determinado pelo juiz de turno Nuno Cardoso, é o passo natural para uma decisão que consideramos injusta, grave e claramente ilegal», fez saber Morais em comunicado à imprensa.
No documento, o movimento de Isaltino reafirma que a candidatura «respeitou escrupulosamente a lei, respeitou a lei ao mais ínfimo pormenor».
«Estamos certos de que os cidadãos autores das 31 mil assinaturas para todos os órgãos do município e das freguesias, que apoiaram a nossa candidatura e os nossos projetos para um novo ciclo para Oeiras, verão as suas expectativas atendidas, conscientes que estamos de que cumprimos escrupulosamente a lei», sustenta o comunicado de Isaltino Morais, que termina assim: «Aguardamos com serenidade a decisão do Tribunal e a reposição da normalidade do processo eleitoral autárquico em Oeiras».
O tribunal deverá anunciar segunda-feira a decisão sobre o recurso de Isaltino Morais.