Usain Bolt dava sempre ideia de que não ia conseguir. Os seus fracos arranques faziam os adversários pensar que o iriam superar. Nunca conseguiram. No fim, a passada alargava, cada vez mais rápido, ultrapassava todos e às vezes até dava para sorrir para as câmaras antes da meta. Depois, já se sabe, vinha a pose para as fotografias, a subida ao mais alto dos lugares no pódio e o hino da Jamaica.
Foi – não só, mas também – devido aos seus finais avassaladores que conquistou o mundo. Na vitrina guarda onze medalhas de ouro em campeonatos do mundo e oito em Jogos Olímpicos – só não é “tri-tri”, com três medalhas de ouro nas três edições dos Jogos em que participou, por causa do seu colega jamaicano, Nesta Carter, dado como culpado por usar doping na corrida de estafetas de Pequim em 2008. O abuso de substâncias deste atleta acabaria por retirar as medalhas a toda a equipa da Jamaica, um castigo duro para os limpos.
Nas Olimpíadas de 2008, tinha Bolt 22 anos, anunciou que iria correr os 100 e os 200 metros. Na final dos 100 metros, mesmo com o vento desfavorável e com o atacador desapertado, Usain não só ganhou como quebrou o recorde mundial que, na altura estava nos 9.69 segundos. Antes de passar a meta, ainda teve tempo para abrandar, sorrir para as câmaras e começar os festejos. Nesses mesmos Jogos Olímpicos, venceu também os 200 metros e a prova de estafetas – medalha, essa, que viria a ser retirada devido ao já falado uso de doping do colega de equipa.
Em Londres, nos Jogos de 2012, Bolt voltou a ganhar tudo o que havia para ganhar. Nos 100 metros fez 9.63 segundos e nos 200 venceu com 19.32 segundos. Pelo caminho, ganhou também os 4×100 com a equipa da Jamaica. «Sou uma lenda, o melhor atleta da história», dizia o próprio em 2012.
Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, tudo igual: Usain Bolt venceu os 100, os 200 e as estafetas. «É por isto que eu venho cá, aos Jogos Olímpicos, para provar ao mundo que eu sou o melhor – outra vez!», disse numa conferência de imprensa durante os Jogos do Rio.
Mas nem só de Jogos Olímpicos se faz a carreira de Bolt. Nos Mundiais a tendência é a mesma e as onze medalhas de ouro provam-no. Além disso, os recordes mundiais são todos dele: 9.58 segundos nos 100 metros, 19.19 segundos nos 200 metros e 36.84 segundos nas estafetas.
Não é só nas pistas que acumula viórias. Vamos a contas: segundo a revista Forbes, só em patrocínios, Bolt recebe 25,5 milhões de euros por ano. Na lista elaboradora pela mesma revista sobre as celebridades que mais recebem, Bolt está em 88.º lugar.
Fisicamente, Bolt também é especial. Mede 1,95 metros – é o atleta mais alto a competir a este nível. E é nas suas pernas pernas peculiares que pode estar guardado o segredo do seu sucesso : tem uma diferença de 1,4 centímetros entre as duas pernas, sendo a direita a mais curta.
Usain Bolt é também dado a causas filantrópicas. Em 2009, por exemplo, adotou uma cria de chita que tinha sido abandonada em Nairobi, no Quénia, oferecendo cerca de 11 mil euros à instituição que ficou a cuidar do animal. Usain Bolt tem ainda uma fundação, a Usain Bolt Foundation, que dá apoio aos jovens da sua terra, Sherwood Content, através do desporto, da educação e da cultura.
De onde vem a lenda
Usain Bolt nasceu em Sherwood Content, na Jamaica, a 21 de agosto de 1986. Começou por jogar críquete e a sua velocidade impressionou os seus treinadores desde cedo, o que fez com se dedicasse totalmente à corrida sob a tutela do antigo atleta olímpico jamaicano Pablo McNeil, que faleceu em 2011. Aos 15 anos, Bolt teve o primeiro sabor da vitória numa prova de corrida internacional, no campeonato do mundo de juniores de 2002, que se realizou na sua terra natal, tornando-se no atleta mais jovem a conquistar uma medalha de ouro na competição. A velocidade do jamaicano impressionou tanto que recebeu, logo nesse ano, a distinção de ‘estrela em ascensão’ da International Association of Athletics Foundation. Foi também aí que surgiu a sua alcunha: Lightning Bolt.
O velocista cresceu na pequena cidade de Sherwood Content no seio de uma família dona uma pequena mercearia local. Bolt passou a infância na rua a jogar cricket e futebol na rua com os irmãos: «Quando era novo, eu não pensava em mais nada para além do desporto», disse numa entrevista ao The Times, em 2008. Já jornal The Telegraph conta que, aos 12 anos, Bolt apostou um almoço com um amigo em como o venceria numa corrida – lá concretizaram a aposta e esta terá sido a primeira vitória do ‘relâmpago’ numa corrida, o que fez com que se apaixonasse pela modalidade. E, por falar em relâmpago, aproveitamos para contar agora de onde vem aquela pose após ganhar cada corrida. Poder-se-ia pensar que aqueles dedos a apontar para o céu tem mesmo a ver com o relâmpago, mas na verdade este movimento chama-se ‘To Di World’ e tem como origem um anúncio do turismo da Jamaica em que Bolt era o protagonista. Desde então, o gesto propagou-se e é uma das atrações principais das suas conquistas. Todos o imitam, desde o príncipe Harry do Reino Unido a Barack Obama.
Bolt também é dado a polémicas. Durante as Olimpíadas do Rio, ter-se-á envolvido numa relação fugaz com a carioca Jady Duarte, escreveu, na altura, a imprensa brasileira. Recorde-se que o atleta namora com a modelo jamaicana Kasi Bennett. Na altura, após mais uma das suas conquistas na pista, Bolt dedicou-se às conquistas amorosas na noite do Rio de Janeiro e foi na Barra da Tijuca que terá marcado encontro com a jovem. As fotos dos dois juntos foram parar à internet. Ainda assim, esta ‘facada’ parece não ter afetado o seu namoro, já que Kasi não perdeu tempo e manifestou apoio ao namorado nas redes sociais.
Já em Trinidade e Tobago, nas Caraíbas, Usain Bolt foi novamente apanhado em falso durante o Carnaval. O ‘relâmpago’ foi fotografado em grande folia, todo pintado com diferentes tintas, como é tradição no país, a dançar com algumas mulheres. Vídeos e fotos foram partilhados nas redes sociais.
A última corrida
Antes do tiro de partida da final dos 100 metros nos mundiais de atletismo que se disputam em Londres, Bolt tinha um percurso quase imaculado no que diz respeito a finais. Bolt não queria perder a sua última corrida, mas o anti-clímax aconteceu. Justin Gatlin passou a meta em primeiro, Chris Coleman em segundo e, a fechar o pódio, Usain Bolt.
Durante a corrida, o homem mais veloz de sempre arrancou mal, como de costume, mas, desta vez não conseguiu recuperar. Bolt acabou com a medalha de bronze.
Gatlin, que se tornou no mais velho campeão do mundo dos 100 metros aos 35 anos, acabou apupado pelas 55 mil pessoas que estavam nas bancadas de Londres. Ainda mandou calar o público, mas redimiu-se ao fazer uma vénia ao maior velocista de todos os tempos, Usain Bolt.
Após a sua última corrida a solo, Bolt mostrou-se triste por não ter dado aos seus fãs uma última vitória: «Foi duro, com altos e baixos, algum stress, mas fiz como em todos os campeonatos e dei o meu melhor. É difícil ficar triste com tanta energia e tanto amor que o público me passou», disse à BBC. «O meu arranque matou-me. Normalmente ela melhora entre uma prova e outra, mas isso não aconteceu», explicou. «Dei o meu melhor, mas meu corpo diz-me que está na hora de ir», concluiu. Também o norte-americano que derrotou Bolt na última corrida fez questão de elogiar o jamaicano: «A primeira coisa que ele fez foi felicitar-me e dizer que eu não merecia as vaias. Ele é uma inspiração».
A derrota de Bolt na última corrida mostrou ao mundo que o mais rápido de todos os tempos afinal também é humano. E prova de que é o maior de sempre na modalidade é que, no final da corrida, o protagonista foi o terceiro classificado, Usain Bolt. Um final sem a glória do ouro amenizado pelo colo do terceiro degrau. E o pódio – a sua segunda casa – é sempre pódio.