Não foi só Lisboa que viu a sua indústria de alojamento local aumentar nos últimos anos. A oferta de camas turísticas de Barcelona também tem crescido, levantando questões sobre a compatibilidade entre turismo e o direito à habitação. Dos 32 milhões de pessoas que visitaram Barcelona no ano passado, só oito milhões ficaram em hotéis. Barcelona tem 2 milhões de habitantes. Calcula-se que existam cerca de 100 mil camas em apartamentos disponibilizados para turistas. O turismo representa 15% do PIB da cidade.
O Airbnb, uma plataforma eletrónica de reserva de alojamento para férias, eliminou do seu website mais de mil ofertas localizadas em Barcelona. Esta medida foi uma resposta ao ultimato feito pela Câmara da cidade, que considera esses alojamentos ilegais. Para a autarquia liderada pela ativista Ada Colau, apoiada pelo Podemos, a atitude da empresa demonstra “boa vontade” e “um ponto de viragem” na forma como a empresa gere o negócio.
Barcelona irá, em setembro, aplicar um modelo regulatório similar ao aplicado em Lisboa para a mesma plataforma, ou seja, a promoção da oferta de alojamento local tem de ser acompanhada pelo número de registo oficial dos apartamentos a alugar. Em Portugal, essa alteração à lei resultou numa multiplicação de alojamentos locais registados, quando antes muitos agiam ilegalmente, e passaram a constar nas contas oficiais do Estado.
De acordo com a câmara de Barcelona, cerca de 15% dos apartamentos encontram-se em sub-arrendamento por inquilinos e não pelo proprietário, o que configura uma ilegalidade no sistema jurídico espanhol. Existem entre 5 a 6 mil apartamentos ilegais na cidade, segundo o executivo de Colau.
O executivo não tem poupado esforços no combate ao alojamento local ilegal, uma das promessas eleitorais de Colau. Desde 2016 a autarquia já instaurou 6 mil processos contra apartamentos em situação ilegal e emitiu mais de 2 mil ordens de encerramento, para além de também ter disponibilizado uma linha de apoio e um site de denúncias, que já recebeu mais de 7 mil queixas.
Turismo desregulado
O fenómeno do turismo de massa e as suas consequências para as populações residentes é um tema largamente discutido em Barcelona, não tivesse sido o direito à habitação o principal assunto da campanha autárquica de Ada Colau. Todos os partidos conconcordam que o turismo de massa desvirtuou Barcelona e que colocou em causa o direito à cidade das suas populações.
Num artigo publicado no “The Guardian”, em 2014, um pouco antes da sua eleição, Colau destacou que “qualquer cidade que se sacrifique sobre o altar do turismo de massas será abandonada pelos seus habitantes, quando estes já não puderem arcar com o custo da habitação, alimentos e necessidades diárias básicas”. A solução “não é atacar o turismo”, defendia, mas sim “regular o sector, regressar às tradições do planeamento urbano local, e colocar os direitos dos residentes antes dos interesses dos grandes negócios”.
Desde que foi eleita que Colau tem enfrentado os gigantes de milhões do alojamento local, o Airbnb e o Homeway, ameaçando-os com multas de 60 mil euros e com sanções até 600 mil euros, as mais elevadas de acordo com a lei de Turismo da Catalunha. Multou em 3 mil euros mais de 120 alojamentos locais que não cumpriam com a sua obrigação de publicar o seu número de Registo de Turismo da Catalunha.
O turismo como bóia de salvamento
Os impactos da crise são profundos na sociedade espanhola, com o aumento do desemprego e o incumprimento do pagamento das prestações das casas por parte de milhares de cidadãos. Os despejos começaram a ocorrer diariamente pelas ruas de Barcelona, para depois as casas serem vendidas e transformadas em alojamentos locais ilegais. Mas o arrendamento temporário representou para muitos cidadãos a bóia de salvação. Ao alugarem temporariamente os seus apartamentos conseguiram pagar as prestações e assegurar as condições básicas de vida. O aumento do turismo criou, tanto em Portugal como em Espanha, um elevado número de postos de trabalho, ainda que uma grande parte sejam trabalhos precários e mal pagos.