Mudança
Estas eleições marcarão uma mudança que pode ser profunda, mas o mais provável é que seja, por agora, apenas de rosto. José Eduardo dos Santos deixará de ser o presidente de Angola, cargo que exerceu nos últimos 38 anos, e será substituído na presidência, ao que tudo indica, por João Lourenço, o até agora ministro da Defesa. Em 42 anos de independência, Angola conheceu apenas dois chefes de Estado: Agostinho Neto, até à sua morte, em 1979, e José Eduardo dos Santos desde então. Quer com isto dizer que, numa nação com uma grande taxa demográfica e uma esperança de vida baixa, há uma parte substancial da população que nunca conheceu outro presidente. É tarefa difícil a de João Lourenço, tentar substituir um presidente (quase) eterno e corresponder aos desejos de mudança de grande parte do eleitorado.
Sondagens
Conheceram-se duas sondagens nesta campanha eleitoral e em ambas o MPLA ganhava, perdendo a maioria na Assembleia Nacional para a oposição. A sondagem do Instituto Piaget de Benguela e do Instituto Sol Nascente do Huambo, divulgada pelo “SOL”, dava no seu follow-up, com 11% de indecisos, 36% ao MPLA, 28% à Convergência Ampla de Salvação Nacional –Coligação Eleitoral (CASA-CE) e 22% à UNITA. Quanto à sondagem da Sensus, encomendada pela presidência da República de Angola e divulgada pelo site Maka Angola, o MPLA tinha 38% das intenções de voto e a UNITA surgia com 32%, enquanto a CASA-CE ficava em terceiro, com 26%. Se as duas sondagens diferem quanto à posição da segunda força política, ambas concordam na tendência para a inclinação de forças no parlamento para a oposição.
Campanha
Foi preciso esperar pelo comício de encerramento de campanha para José Eduardo dos Santos aparecer pela primeira vez ao lado de João Lourenço. Foi uma aparição breve do ainda chefe de Estado (e líder do MPLA até 2018): “Eu não tenho dúvidas que o MPLA vai ganhar as eleições gerais. E ele, o nosso candidato, será eleito o próximo Presidente da República de Angola.” Sem nunca chamar João Lourenço pelo nome, sempre como candidato, o chefe de Estado apelou ao voto no MPLA e nem ficou para ouvir o discurso de Lourenço. Em conversas com o i, vários elementos da oposição reiteraram o nervosismo do MPLA na campanha, com muitos ministros e deputados a multiplicarem-se no apelo ao voto porta-a-porta, sinal de um resultado mais apertado do que estão habituados dentro do antigo partido único.
Fraude
Sem observadores internacionais, com uma Comissão Nacional Eleitoral que perdeu independência ao passar para a tutela do Ministério da Administração do Território (liderado pelo candidato a vice-presidente do MPLA, Bornito de Sousa), com um processo de acreditação de delegados com exigências de última hora que dificultaram a sua regularização, com eleitores inscritos em assembleias de voto muito distantes da sua residência, com apuramento de resultados centralizado em Luanda e sem publicação de atas com a contagem em cada assembleia de voto, com a comunicação social pública instrumentalizada pelo partido no poder, esta eleição teve todos os condimentos para que, de muitos quadrantes, se alerte para a possibilidade de fraude. A oposição repete a denúncia desde antes de a campanha começar.
Boicote
Sedrick de Carvalho, em entrevista ao “SOL” no sábado, e Luaty Beirão, em conversa recentemente com o “Expresso”, defenderam o boicote a um processo eleitoral que consideram fraudulento. Os dois estiveram presos, envolvidos no processo que ficou conhecido como dos 15+2. A mesma posição tem o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que disse ao “SOL”: “Não acredito nestas eleições, não me parecem um processo sério.” Para Sedrick de Carvalho, “é tudo uma farsa e os partidos da oposição, infelizmente, participam dessa farsa”. O ativista político, que chegou a estar em greve de fome quando preso, acredita que “o boicote em 2017 poderia servir para demonstrar verticalidade, integridade, e em 2022 [os partidos da oposição] estariam muito mais bem posicionados” para vencer.
Samakuva
Presidente da UNITA desde a morte de Jonas Savimbi, em 2002, Isaías Samakuva apresenta-se nas urnas pela terceira vez. Em entrevista ao Rede Angola o ano passado, foi perentório: “Ganhe ou perca, este é o meu último mandato. Aliás, não vou completar o mandato. O mandato no nosso partido é de quatro anos e eu já disse logo depois do nosso congresso que vou até 2017, até às eleições. Se passar, naturalmente deixo o partido para assumir como presidente da República; se a UNITA não passar, deixo o cargo de presidente da UNITA para desempenhar outras funções.” O partido evoluiu de pouco mais de 10% em 2008 para 18,6% em 2012 e agora mostra-se esperançado em ganhar as eleições. “O nosso problema é que, já nos processos anteriores, o MPLA teve as percentagens que teve por causa da fraude”, disse.
Chivukuvuku
Depois do grande resultado que obteve em 2012, quando conseguiu transformar uma coligação de pequenos partidos na terceira maior força política de Angola, Abel Chivukuvuku (antigo dirigente da UNITA que perdeu por duas vezes a corrida à liderança contra Samakuva) surge agora com um projeto consolidado. Praticamente em campanha eleitoral desde 2012, conseguiu mobilizar muito eleitorado jovem (importante num país com uma grande população que vota pela primeira vez), principalmente em Luanda. O facto de ter incluído na coligação, ao contrário de 2012, o Bloco Democrático, do respeitado Justino Pinto de Andrade, e que apesar de ter pouco peso eleitoral possui uma boa base de intelectuais, professores, gente com capacidade para pensar políticas e estratégias de comunicação, é importante para a sua imagem de líder.
Cabinda
A província de Cabinda, pedaço de território sem continuidade geográfica com o resto de Angola, continua ainda hoje a ser zona instável, com desejos independentistas ou de maior autonomia. A UNITA jogou forte na província, tentando captar a maioria dos cinco deputados eleitos por Cabinda. Para isso fez um acordo com os líderes da Associação Cívica Mpalabanda, ilegalizada em 2006, e tem o antigo vigário de Cabinda, Raul Tati, como número 1 de uma lista que inclui ainda o advogado e defensor dos direitos humanos David Mendes. A CASA-CE também apostou num dos rostos dos independentistas, o ex-padre católico Jorge Casimiro Congo. Entretanto, a Frente de Libertação do Estado de Cabinda–Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) apelou à “paralisação total” no dia das eleições porque votar, diz, é assumir que se é angolano.
Eleições
Seis forças políticas disputam as eleições gerais de 23 de agosto, em que se escolherão os 220 deputados do parlamento (130 pelo círculo nacional e 90 pelos círculos das 18 províncias) e o presidente e o vice-presidente de Angola, que serão o número um e o número dois da lista do círculo nacional do partido mais votado. Além de João Lourenço, o candidato a presidente pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), disputam a eleição Isaías Samakuva, pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA); Quintino Moreira, pela Aliança Patriótica Nacional (APN); Benedito Daniel, pelo Partido da Renovação Social (PRS); Lucas Ngonda, pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA); e Abel Chivukuvuku, pela Convergência Ampla de Salvação Nacional–Coligação Eleitoral (CASA-CE).
Números
Ao todo, 9,3 milhões de eleitores vão amanhã às urnas para eleger a nova Assembleia Nacional (atualmente, o MPLA tem 175 deputados; a UNITA, 32; a CASA-CE, 8; o PRS, 3; e a FNLA, 2). A Comissão Nacional Eleitoral estabeleceu 12 512 assembleias de voto com 25 873 mesas de voto. Até sexta-feira, já se tinham credenciado 1200 observadores nacionais e 200 internacionais. Ontem, o presidente José Eduardo dos Santos decretou tolerância de ponto para hoje em todo o país, com exceção dos trabalhadores de turno, que precisam da dispensa da entidade empregadora e pelo tempo necessário para exercer o direito de voto. Há eleitores recenseados em mesas de voto a mais de 1000 km, outros que ainda no final da semana passada não sabiam onde iriam votar – problemas que a CNE atribuiu a erros no preenchimento dos dados ou a falta de toponímia.