1.Desculpem quebrar o sentimento de ternura colectiva: não, não estamos emocionados, nem fascinados pela declaração pública da homossexualidade da Secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca. Porquê? Porque, apesar de verdadeira, não foi genuína, nem a sua motivação central passou pela defesa dos direitos dos cidadãos homossexuais.
Foi um arranjinho de verão da central de propaganda do Governo de António Costa e da extrema-esquerda. Por coincidência, qual foi o jornal que publicou a entrevista? Muito bem, caríssimo leitor e caríssima leitora, esse mesmo! Acertou: o “DN” de Paulo Baldaia e Joaquim Oliveira (o mesmo que conversava ao telefone com Armando Vara a forma de fechar com os jornais que criticassem o líder Sócrates) – é apenas mais uma coincidência!
2.A entrevista é, aliás, bizarra. Incide sobre direitos de minorias, tolerância política, política externa…sendo que a entrevistada é Secretária de Estado da Modernização Administrativa! Da Modernização Administrativa! Foi uma entrevista à medida para chegar à declaração política que já estava combinada: a revelação da homossexualidade de Graça Fonseca. De súbito, a grande questão política em Portugal passou a ser…as opções sexuais da Secretária de Estado da Modernização Administrativa!
Incêndios? Passaram para plano secundário, se não mesmo terciário. Falta de autoridade do Estado, revelada, por exemplo, no apagão informático e no assalto a Tancos? Isso parece que já foi no século passado! A entrevista ridícula de António Costa ao “Expresso”? Não existiu, excepto na parte em que é útil para atacar Pedro Passos Coelho. O facto político que merece ser analisado à lupa é a…declaração de Graça Fonseca sobre as suas opções sexuais individuais.
3.Sejamos claros. Na declaração da Secretária de Estado, há que distinguir o conteúdo da intenção. Quanto ao conteúdo, trata-se de um acto de afirmação de Graça da Fonseca e que mostra que hoje, em Portugal, é possível uma pessoa que ama uma pessoa do mesmo sexo chegar aos lugares de topo da estrutura administrativa portuguesa. Tal denota o espírito tolerante e inclusivo da sociedade portuguesa actual – matéria que, aliás, não gera qualquer fractura entre esquerda e direita nos tempos que correm.
Resta-nos, pois, desejar as melhores felicidades para Graça Fonseca na vivência do seu amor, sempre em liberdade e igualdade. Neste ponto, a declaração da Secretária de Estado foi uma lufada de ar fresco no PS: pela primeira vez, um socialista consegue fazer uma declaração a favor dos direitos dos homossexuais de forma equilibrada, ponderada, muito sensata. E nós, como sociedade, temos de agradecer a lucidez de Graça Fonseca .
4.Foram declarações corajosas? Se atentássemos somente no conteúdo, porventura, seriam. Todavia, Graça Fonseca pecou claramente no que respeita à intenção das suas declarações – a intenção foi essencialmente política e estranha à defesa dos direitos dos cidadãos portugueses homossexuais.
O objectivo de Graça Fonseca – depois de devidamente articulada com António Costa e Pedro Nuno Santos – foi o de criar um facto político para permitir ao Governo geringonçado respirar, já que está acossado por várias razões (desde os incêndios até à preparação do Orçamento de Estado para o próximo ano). Ao puxar pela bandeira da homossexualidade, o PS entretém os portugueses com uma “não-questão” feita questão dominante do discurso político mediático. Para além de a declaração de Graça Fonseca ser um miminho ao Bloco de Esquerda, tão útil e conveniente nesta fase em que António Costa tem reuniões agendadas com Catarina Martins tendentes à elaboração do Orçamento de Estado para o próximo ano.
Ora, que melhor forma de concitar o apoio do Bloco de Esquerda – e da sua base de apoio – do que trazer novamente para a discussão pública o tema da sexualidade e da defesa das minorias? Não há! Costa sabe-o muito bem; Pedro Nuno Santos sabe-o ainda melhor (note-se que Pedro Nuno é do PS, mas o seu coração sempre esteve no BE, apesar de o seu pai ser uma grande referência no mundo empresarial, um homem politicamente moderado, que muito beneficiou, com inteligência e dedicação, do sistema capitalista que Pedro Nuno tanto repudia…) – e Graça Fonseca prestou-se ao papel de fazer o favor a Costa.
5.Caso contrário, a pergunta se impõe: por que razão a declaração de Graça Fonseca surge neste momento, em pleno “verão quente” do Governo geringonçado? Porque não foi no momento da constituição do Governo? Porque não foi antes? Porquê? Mais: a máquina de propaganda da geringonça apresentou as palavras de Graça Fonseca como sendo uma declaração política.
Uma declaração política cujo conteúdo é exclusivamente uma opção pessoal da cidadã Graça Fonseca. É a política do “vale tudo” tão à moda do PS de António Costa – até confundir a Secretária de Estado Graça Fonseca com a cidadã Graça Fonseca. Que a cidadã quisesse (e bem) revelar a sua orientação sexual como forma de afirmação de direitos cívicos, muito bem; que o Governo aproveite a orientação sexual de uma sua Secretária de Estado para efeitos de aproveitamento político, muito mal. Lamentável.
E como é curioso recordar que há cerca de um ano a esquerda costista se indignava com a revelação de alguns aspectos da vida privada de certos políticos no livro de José António Saraiva! A mesma esquerda que louva a coragem de afirmação da homossexualidade de Graça Fonseca – é exactamente a mesma que há um ano afirmava violentamente que a vida privada dos políticos é isso mesmo: privada! Lembram-se? E lembram-se do que, na altura, comentaram os iluminados da esquerda como Marques Lopes ou Clara Ferreira Alves? E o que dirão agora? Ou seja, a divulgação da sexualidade de um político era crime há um ano; mas já é um acto patriótico hoje! Em que ficamos?
6. Concluimos reiterando o desejo de maiores felicidades pessoais para a cidadã Graça Fonseca . No que respeita à Secretária de Estado Graça Fonseca, o nosso juízo não muda em nada pelo facto de conhecermos a sua orientação sexual: é tão competente e séria hoje como era no domingo, antes da publicação da entrevista.
Defender os direitos dos cidadãos homossexuais é respeitá-los e considerá-los pelo seu valor, talento e personalidade – e não pela sexualidade. Desenvolvidos seremos quando a sexualidade for apenas uma questão de somenos relevância. Haverá igualdade mais efectiva do que relevar tanto a homossexualidade de Graça Fonseca como a nossa heterossexualidade?
7.O importante é não valorizar ou desvalorizar as declarações de Graça Fonseca. O importante – isso sim! – é a afirmação clara e inequívoca de que aí onde houver um cidadão sofrendo um tratamento menos favorável em virtude de qualquer factor arbitrário, aí estaremos nós, o Estado e a comunidade, a ajudá-lo. Não porque é homossexual ou cigano ou estrangeiro: estaremos com ele, lado a lado, na luta contra a discriminação porque é uma pessoa.
E não há pessoas cuja dignidade seja superior (nem inferior!) a qualquer outra: o ataque à dignidade de um ser humano é sempre um ataque à humanidade, à qual todos pertencemos. Utilizar as minorias, as pessoas homossexuais e outros grupos étnicos como manobras de diversão política, servindo os interesses conjunturais dos partidos no poder – eis o verdadeiro ataque à dignidade da pessoa humana que a todos, sem excepção, deve ser reconhecida.
7.Mais uma vez, depois dos ciganos, o PS utiliza os homossexuais como instrumentos ao serviço da sua agenda política imediatista. Mais uma razão para o centro-direita (liderado pelo PSD) se afirmar claramente como o defensor dos direitos das pessoas. De todas as pessoas, em plena igualdade e dignidade.