“Como pode ser, Younes? Tremem-me os dedos, nunca tinha visto ninguém tão responsável como tu.” A perplexidade é de Raquel, educadora social que trabalhou com os jovens que formaram a célula terrorista de Ripoll, autora do duplo atentado de Barcelona e Cambrils, matando no total 15 pessoas. Younes é Abouyaqoub, o condutor da carrinha usada no atentado terrorista do dia 17 nas Ramblas de Barcelona.
Na carta reproduzida pelo “La Vanguardia”, o tom prossegue na sua perplexidade. “Estes miúdos eram iguais aos outros, iguais aos meus filhos, eram miúdos de Ripoll”, o município de Girona onde Abdelbaki es Satty era imã e onde a célula se formou.
As imagens de videovigilância mostram Abouyaqoub, que matou com a carrinha 13 pessoas e fez dezenas de feridos, afastando-se tranquilamente do local onde o veículo ficou imobilizado, óculos de sol, polo listado. Mostram aquilo que muitos não querem ver quando apontam o dedo aos estrangeiros que chegam, aos migrantes que arriscam a vida a cruzar o Mediterrâneo, aos extenuados sírios que fogem de um país a ferro e fogo há seis anos. Mostram que os terroristas não chegam do outro lado do mundo (alguns chegam, outros não), que se podem criar no Ocidente, nos bairros onde nos criamos nós, normalmente nos subúrbios das grandes cidades, entre a classe média e média baixa, que é de onde vimos quase todos.
Abouyaqoub pôde passar despercebido porque era um jovem “igual aos outros”, só que radicalizado na sua interpretação do mundo. “O que se passou com vocês? Em que momento? O que estamos a fazer mal?”, pergunta a educadora de Ripoll.
Mohamed Lahouaiej-Bouhlel, o condutor do camião que matou 84 pessoas em julho do ano passado, em Nice, também não mostrava sinais de radicalização: bebia, usava drogas, só deixou crescer a barba uns dias antes do ataque.
Hasna Ait Bouhlacen, cúmplice nos atentados de Paris em 2015, morta pela polícia com mais duas pessoas num apartamento de Saint-Denis, nos arredores da capital francesa, é outro caso. O seu comportamento era igual ao de muitas outras adolescentes ou jovens mulheres – gostava de festa, do Instagram e do WhatsApp, de beber. Tinha, é certo, as marcas do abandono e dos maus-tratos na infância, que levaram a que crescesse entre os oito e os 15 anos numa família de acolhimento.
Manuel Gazapo, diretor do Observatório de Segurança Nacional espanhol, citado pelo “El País”, tenta uma explicação para que os miúdos de Ripoll se tivessem transformado em terroristas: “O primeiro fator é a idade: eram mais jovens do que são habitualmente os terroristas e, portanto, estamos perante uma personalidade moldável.”
Décadas de investigações em redor do tema e o que temos como denominador comum entre aqueles que enveredam pelo terrorismo é que parecem querer aquilo que muitos de nós (para não dizer todos) queremos: reconhecimento e uma vida melhor para as pessoas de que gostamos.
Sabemos pelos retratos passados que a maioria são jovens, raramente ultrapassando os 30 anos (Mohamed Lahouaiej-Bouhlel tinha 31 e entra já no domínio das exceções), sentem-se injustiçados e, muitas vezes, isso leva a um alto grau de frustração – e acabam influenciados por alguém do grupo ou por um líder carismático.
Terá sido isso que aconteceu em Ripoll, com Abdelbaki es Satty a funcionar como esse líder carismático capaz de “moldar” esses jovens integrados na vida da Catalunha e transformá-los em cruzados islâmicos, dispostos a imolar-se numa ação tão violenta quanto desprovida de mensagem clara.
Se Hasna Ait Bouhlacen tinha as marcas de uma infância conturbada, se Lahouaiej-Bouhlel era um homem com tendências violentas em processo de divórcio, os jovens de Ripoll não passavam, aparentemente, por dificuldades económicas e sociais.
É certo que sempre foram os “mouros” na escola, mas nem por isso deixavam de tirar boas notas, nem a sua ficha escolar revelava sublinhados a vermelho. Mesmo assim, salienta Gazapo, “não deixavam de pertencer a uma minoria em risco de exclusão”, o que os tornava, diz, “miúdos fáceis de persuadir”.
O alto desemprego entre os jovens, a falta de perspetivas de um futuro que é cada vez mais incerto para todos, a exclusão poderão servir como fatores capazes de exacerbar o potencial de doutrinamento destes jovens. “Uma coisa é falar de integração a partir das instituições, e outra é descer à rua”, diz ainda Gazapo.
Mas por mais que ensaiemos explicações, como podemos explicar, por exemplo, a história dos dois irmãos Laachraoui: Najim estudou Engenharia, Mourad dedicou-se ao taekwondo. Najim foi um dos bombistas-suicidas no atentado do aeroporto de Bruxelas, em março de 2016, Mourad ganhou uma medalha de ouro para a Bélgica nos Europeus, em maio.