1.Já suspeitávamos há muito que António Costa mais não pretende que reabilitar o socratismo sem José Sócrates: agora, finalmente, tivemos a confirmação. De quem? Do próprio José Sócrates: convém não esquecer que Costa foi durante anos o braço-direito do ex-Primeiro-Ministro, que se encontra a contas com a Justiça presentemente. Daí que António Costa tenha aprendido com mestria os truques, as habilidades e as manhas socráticas – ora com admiração, ora com inveja. De facto, segundo a última edição do “SOL” , José Sócrates confidenciou ao seu amigo Peixoto (o jornalista encarregado da defesa apaixonada e fanática, juntamente com uma série interminável de personalidades, do governo socrático) que António Costa tinha “falta de tomates” para ser Primeiro-Ministro” e que nutria um forte sentimento de inveja face às qualidades e triunfos do então líder do PS (atentemos nas palavras de Sócrates: “ o m**das do Costa está cheio de ciúmes de mim”).
2.Pois bem, o sentimento de inveja é susceptível de gerar uma reacção nem sempre uniforme naqueles que o possuem: ora se traduz em puro ódio, numa vontade insaciável de prejudicar aquele que obteve os feitos que reconhecemos para nós, mas não para os outros – ora gera uma motivação pessoal fortíssima para replicar o percurso da pessoa que se inveja. Os factos demonstram à saciedade que António Costa se encaixa no segundo modelo de comportamento: a sua inveja de José Sócrates levou-o a montar um plano de poder pessoal que concentrasse o poder à boa maneira socrática, sem, no entanto, cometer os erros do ex-Primeiro-Ministro. A inveja de António Costa é, se bem reflectirmos, compreensível: Costa, tal como Sócrates, arrogam-se no papel de “salvadores da Pátria”, julgando-se homens predestinados a ocupar e a exercer o poder. Qualquer que ele seja: contentam-se com o exercício do poder, independentemente do cargo que ocupam.
3.Por esta razão, a vida de António Costa – tal como a de José Sócrates – girou sempre em torno da política: António Costa nunca exerceu uma profissão fora da vida político-partidária (com excepção de uma brevíssima incursão pela advocacia, no escritório do seu tio, o qual por seu turno, tinha ligações familiares a Jorge Sampaio). António Costa foi candidato autárquico já a pensar num cargo governamental; foi membro do Governo de António Guterres já a pensar na liderança do partido; foi líder parlamentar já a pensar que iria substituir o Secretário-Geral do PS de então; foi Ministro de José Sócrates posicionando-se, desde cedo, como o herdeiro natural do socratismo; foi Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, montando aí uma estrutura de poder que lhe permitisse disputar a liderança socialista e, por consequência, a chefia do Governo de Portugal.
4.Pelo meio, António Costa foi liquidando os seus potenciais adversários, manobrando nos bastidores – e sempre contando com a cumplicidade de alguma comunicação social, sempre disposta a ser parte activa nos esquemas de António Costa. Um exemplo? A forma como alguma comunicação social (os leitores e a leitora sabem qual! Essa mesmo!) esperou pelo avanço de António Costa para iniciar um processo de decapitação de carácter contra António José Seguro. Ou o tratamento sempre exagerado de que Costa foi credor na comunicação social portuguesa (alguma!), enaltecendo-se os seus feitos na presidência da Câmara Municipal de Lisboa – às tantas parecia que António Costa era uma referência internacional do poder autárquico, o verdadeiro “dono de Portugal” a partir dos Paços do Concelho.
5.Dito isto, atenção: não pretendemos, na presente prosa, deixar implícita a ideia de que José Sócrates e António Costa são iguais. Não: pretendemos, isso sim, salientar – sem dúvidas, nem hesitações – que António Costa é muitíssimo pior que José Sócrates. E muito mais perigoso para a democracia portuguesa. Não nos referimos a aspectos de ordem criminal: apesar dos indícios fortes de que os jogos de poder socialista ultrapassaram as fronteiras da legalidade, para nós, o princípio da presunção de inocência não poderá ser postergado em circunstância alguma. Referimo-nos, tão-somente, à forma de fazer política. É que no tribunal político, José Sócrates e o seu delfim, António Costa, são claramente culpados – e devem ser duramente condenados pelos eleitores.
6.Recorde-se aqui que em 2009, a máquina de propaganda socialista (em que se destacavam a comunicação social ao serviço de Sócrates) assassinou o carácter e a probidade da então líder do PSD, Manuela Ferreira Leite. Um exemplo: os jornais testas de ferro de José Sócrates, em termos contrários a todas as regras deontológicas, truncaram uma declaração de Ferreira Leite, proferida no American Club of Lisbon, dando a entender que o PSD defendia uma suspensão da democracia por seis meses! Nós, que marcamos presença no referido almoço e ouvimos bem a declaração ( que, aliás, havia passado despercebida entre os presentes), ficámos aí vacinados contra os truques da imprensa manipulada pelo PS.
7.Mais: em 2009, Portugal era um oásis de estabilidade e prosperidade – segundo a maioria dos jornais da época, Sócrates havia reduzido o défice orçamental, colocado a economia a crescer novamente e promovida uma mais efectiva justiça social. Os funcionários públicos foram aumentados, criou-se o “cheque bebé” (talvez a medida mais ridícula do Portugal democrático!), desceu-se o IVA e já se prometiam novos aumentos e mais benesses sociais. Isto era Portugal no mundo da fantasia socrática. Depois o que aconteceu? Veio a troika, iniciando-se um período de austeridade muito difícil para os portugueses.
8.Ora, as semelhanças do tempo que vivemos hoje com 2009 não são mera coincidência: António Costa, o invejoso, quer imitar José Sócrates. Também hoje vivemos um tempo de euforia que basicamente consiste em voltar a 2009: repor os salários dos funcionários públicos, repor a progressão nas carreiras, repor, repor, repor…A ideia de futuro de António Costa consiste apenas em regressar ao passado. Ao mesmo passado que levou à tanga – e depois á troika. Porquê? Porque António Costa está-se a marimbar para si, para nós – Costa, tal como José Sócrates, só se preocupa com o seu poder pessoal.
9.Porquê? Porque José Sócrates tinha uma personalidade voluntarista, quase ingénua, uma magnanimidade quase lunática que o denunciou. Já António Costa é diferente: pela calada, subtilmente, conseguiu o controlo praticamente total da comunicação social, criou um clima de medo entre a maioria dos jornalistas que temem as consequências de uma notícia ou comentário mais desagradável para Costa, condiciona o empresariado português que teme o poder socialista.
10.Por outro lado, ao invés do que sucedia nos anos Sócrates, António Costa não tem qualquer foco de contestação ao seu poder. De facto, o PCP e o Bloco de Esquerda sempre foram muito veementes nas críticas à governação socrática: Francisco Louçã chegou muitas vezes a colocar em dúvida a integridade pessoal de Sócrates. Ora, com António Costa, esta oposição à esquerda desapareceu: PCP e BE estão plenamente domesticados pelo PS de Costa. O Bloco de Esquerda – veja bem caríssimo leitor e caríssima leitora! – já se assume como social-democrata, e já não trotskista! O PCP já só quer saber dos seus tachos nas empresas de transportes e na máquina do Estado – o que se percebe: já que a União Soviética colapsou, Jerónimo de Sousa tenta fundar a União dos Sovietes tachistas! Faz sentido.
11.Confirma-se, concluindo, que António Costa é muito pior que José Sócrates: dia após dia, Costa vai concentrando o seu poder, sem oposição, nem resistências. Igualar Sócrates a António Costa é um insulto – para José Sócrates. Que tempos perversos que vivemos neste Portugal geringonçado!