As Nações Unidas acusam a coligação liderada por Riade de ser responsável pela maior parte das mortes violentas de crianças no Iémen, um dado que pode empurrar a Arábia Saudita para a lista negra de países que abusam dos direitos das crianças, caso António Guterres assim o decida. De acordo com um relatório ainda em preparação – mas visto pela Reuters –, a ONU entende que só as bombas sauditas mataram, no ano passado, 349 crianças e feriram outras 333, o que corresponde a 51% das mortes e ferimentos violentos de menores na guerra civil do Iémen. O valor, segundo declara o relatório, é “inaceitavelmente elevado” e Guterres adiantou ontem numa viagem ao Kuwait que vai tomar uma decisão em breve. “O trabalho técnico está a ser finalizado e, no fim, quando me for apresentado, tomarei uma decisão de acordo com o que eu achar que é correto a fazer”, disse o secretário-geral da ONU, assegurando que não sente pressão de Riade.
A perceção é a de que a Arábia Saudita está a caminho da lista negra de que no ano passado se esquivou. O antecessor de António Guterres, Ban Ki-moon, chegou a incluir Riade na lista de abusadores dos direitos das crianças por causa da sua intervenção armada no Iémen, mas, segundo a Reuters, o sul-coreano acabou por ceder à pressão do reino saudita, que ameaçou cortar os fundos às Nações Unidas – ambos negam que isso tenha acontecido. Desde então, a intervenção saudita no Iémen só se tornou mais sangrenta – apesar do apoio logístico dos Estados Unidos. Em outubro, por exemplo, um bombardeamento saudita atingiu uma festa de casamento na capital, Sana, controlada pelos rebeldes hutis. Morreram então mais de cem pessoas. E só na semana passada, na quarta e sexta-feira, dois bombardeamentos comandados por Riade atingiram alvos civis na capital iemenita. Na quarta morreram mais de 30 civis e, na sexta, 14. De acordo com Riade, este último ataque surgiu de “um erro técnico”.
O consenso entre observadores é que a própria intervenção da coligação saudita nasceu também de um erro, mas de perceção: o reino entrou numa guerra que não está a vencer, em que assiste à desagregação dos seus aliados e em que parece ter exagerado o efeito que uma vitória rebelde huti pode ter no equilíbrio de poderes regionais com o Irão.