Está a ser um ano difícil para os produtores de mel de norte a sul do país. O alastramento da vespa asiática e os incêndios dos últimos meses destruíram colmeias e dizimaram abelhas. A seca prejudicou o período de floração e contribuiu ainda mais para a tempestade perfeita no setor. A queda na produção é incontornável mas, por agora, ainda não há números. Já as queixas repetem-se de associação em associação.
“Não temos números concretos ainda. Temos alguns, de produtores que nos vão dizendo as suas perdas. O que sabemos é que ardeu 70% da área de origem protegida e não é este ano que vamos sentir os maiores prejuízos. Este ano sentem-se os prejuízos das perdas efetivas de flora e de outros animais, mas o prejuízo maior para a produção de mel será daqui a dois ou três anos. Não vamos ter mel”, explica António Carvalho, presidente da Lousãmel, cooperativa com mais de 400 sócios. “Ardendo, a floração não se repõe em menos de três anos”.
Ao contrário do que se possa pensar, fumo não é tanto o problema, já que costuma ser utilizado para acalmar as abelhas quando os apicultores têm de ir às colmeias. “Se for em demasia, também não é bom para elas, só que, como o usamos para trabalhar com elas, também não é o pior”, diz este apicultor. A ameaça tem a ver mais com a destruição da flora. Se a área envolvente do apiário tiver ardido, não há grande alternativa, “a menos que faça uma transumância e mude as colmeias para outro concelho ou outro local”, acrescenta António Carvalho, testemunhando que, na zona de Lousã, existem unidades de produção onde ardeu tudo num raio de cinco quilómetros.
Esta cooperativa tem recebido queixas de alguns associados e salienta que as autarquias estão mobilizadas e têm ajudado os produtores. Alguns dos produtores terão mesmo concorrido aos apoios instituídos pelo Ministério da Agricultura para pessoas que tenham tido prejuízos devido aos incêndios. Fonte oficial do ministério confirmou ao i estarem incluídos prejuízos de apicultura nas candidaturas, mas informou não ser possível adiantar valores sobre os danos no setor, uma vez que os processos ainda estão em análise. Até ao momento, o ministério não terá recebido também nenhum pedido de associações do setor.
A Vespa veio para ficar
Os problemas, porém, não se resumem aos fogos. As medidas para controlar a vespa asiática, espécie invasora que ameaça as abelhas, não parecem estar a ter efeito. “Isto é outro problema e é gravíssimo. A vespa veio e parece que foi para ficar”, diz António Carvalho.
As técnicas para acabar com a praga que assassina as abelhas produtoras de mel e que se multiplicam a uma velocidade “monstruosa”, são apenas tentativas muitas vezes falhadas, diz este produtor, que está agora a tentar criar aquilo a que chama “um cavalo de Troia” para tentar resolver a ameaça. A ideia, explicou António Carvalho ao i, é envenenar uma das vespas que apanhe nas suas colmeias, de forma a que, quando esta regresse ao ninho, contamine as restantes. “Só nos vamos safar quando as autoridades começarem a procurar formas de acabar com os ninhos. Está aqui um problema gravíssimo. É que com os incêndios, a flora sempre se renova, mas aqui não. Elas comem as abelhas e destroem uma colmeia num instante”, comenta.
Andrea Chasqueira, técnica apícola da Associação de Apicultores do Litoral Centro, diz que, nesta região, o ano até estava a correr bem. “Há cinco anos que não tínhamos um ano tão bom de produção. O problema foram estes três últimos meses, junho, julho e agosto, que foram bastante afetados pela vespa asiática e pelos fogos”, sublinha. Mealhada e Cantanhede foram as áreas mais fustigadas.
Os números dos prejuízos causados pelos fogos são ainda uma incógnita. “Sabe-se que rondarão entre as 500 e 600 colmeias ardidas”, diz. No caso da vespa, o impacto é total: “100% dos produtores são afetados pela praga”, comenta Andrea.
Anabela Mendes, da Associação de Apicultores de Leiria, também não consegue adiantar quantos produtores foram afetados pelos incêndios, principalmente em concelhos como Pedrógão Grande. “Os incêndios seguramente fizeram arder centenas de colmeias e provocaram graves prejuízos, principalmente dos apicultores profissionais”.
A seca a compor o cenário
A seca acaba por aumentar ainda mais a preocupação. Ontem, a chuva regressou, mas os estragos estão feitos. “Estamos num ano de seca extrema e isso é um grande problema”, frisa Anabela. O setor da apicultura está longe de ser o único afetado. As previsões do Instituto Nacional de Estatística apontam para uma quebra de 20% nos cereais de outono/inverno (trigo, centeio, cevada e aveia) à conta das temperaturas muitos elevadas e baixos teores de humidade no solo.
“Eu não sei o que vai ser do futuro do mel em Portugal”, diz João Valente, um dos diretores da Associação de Apicultores do Norte, que tem a sua maior produção em Macedo de Cavaleiros – a “Capital do Mel”, assinala.
O responsável concorda que as perspetivas são más. “Este é um ano muito mau para a produção de mel em todo o país. No nordeste português, o cenário é negro. Em Macedo de Cavaleiros este ano produzi 10% do que é habitual, tudo por causa da seca extrema”, desabafa.
Repete-se a história. As colmeias arderam e a seca prejudicou a floração. “Quando estava em vias de produzir-se o néctar, vieram aqueles dias muito quentes e secaram a floração, daí que termine o mel”, explica João Valente.
Quanto à vespa asiática, a leitura é simples: está a dizimar as abelhas do Norte e Trás-os-Montes e as pequenas produções serão as primeiras a desaparecer. “A vespa só dá cabo dos pequenos apicultores, os grandes não notam tanto. Os pequenos produtores, por este andar, vão deixar de existir.”