Pela hora em que o verão se prepara para morrer, a extenuada beleza da “sultana do Adriático” vê passar as estrelas nos seus canais, todos quantos chegam à cidade para participar no mais antigo festival de cinema do mundo. Antecipando-se aos rivais de Telluride (Colorado, EUA) e Toronto, o Festival de Veneza tem garantido a sua relevância por sair na frente, tornando-se a principal vitrina da rentrée. A partir de hoje e até 9 de setembro, os dados serão lançados, e a parada só pode subir à medida que se perfilam os candidatos a dominar a temporada de prémios de Hollywood. A comprovar isto mesmo, lembre-se como nos últimos anos, Veneza serviu de rampa de lançamento para os os grandes vencedores na cerimónia dos Óscares, filmes como “Gravity”, “Birdman”, “Spotlight” e “La La Land”.
Na sua 74ª edição, o festival arranca esta quarta-feira com um desses filmes que pode bem lançar-se já numa impetuosa fuga à frente do pelotão: “Downsizing”, do duas vezes premiado pela Academia Alexander Payne, um drama protagonizado por Matt Damon e Kirsten Wiig, que bebeu uns copos de fantasia e segue as peripécias de um homem que, para passar pelo buraco da agulha e fugir aos seus problemas, usa a ciência para que o seu tamanho encolha várias vezes. Não contente com estar à frente de um dos mais prometedores filmes da temporada, Damon destaca-se ainda no elenco de “Suburbicon”, mais uma rocambolesca comédia negra que, além da realização de George Clooney, conta com argumento dos irmãos Joel e Ethan Cohen.
Além de “Downsizing”, Alberto Barbera, o crítico de cinema que preside à organização do Festival, conseguiu reservar para a “cidade de fadas” a estreia de outros duas grandes produções hollywoodescas que contam alimentar já o bruaá arrematando alguns Leões de Ouro: “Mother!”, que marca o regresso de Darren Aronofsky (”Cisne Negro”), com um thriller protagonizado por Jennifer Lawrence e “The Shape of Water”, uma fita passada no período da Guerra Fria e que vai submergir a realidade no terreno do fantástico, com uma criatura aquática que vem assim alargar o elaborado bestiário do realizador mexicano Guillermo del Toro.
Outros filmes que têm os mais ansiosos a esfregar a vista são “Victoria and Abdul”, um filme histórico com Judi Dench como Rainha Victória e realização de Stephen Frears – de resto, foi anunciado pelos organizadores do festival italiano que o cineasta britânico, autor de “A Rainha” e “Filomena”, no dia 3, aquando da estreia mundial do seu novo filme, vai receber um prémio especial o Prémio Glória ao Realizador; “First Reformed”, de Paul Schrader, em que Ethan Hawke surge na pele de um padre atormentado por remorsos; “Loving Pablo”, outro filme a aproveitar a insaciável curiosidade dos cinéfilos pelas desventuras de Pablo Escobar, o mais famoso narcotraficante da história, desta vez encarnado por Javier Bardem; “Manhunt”, o novo filme de ação de John Woo e “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri”, um drama sulista de Martin McDonagh, com Frances McDormand e Woody Harrelson nos principais papéis.
Ao todo, serão 21 os filmes em estreia mundial e que irão disputar o Leão de Ouro: cinco produções norte-americanas, quatro italianas, duas britânicas, três francesas, uma mexicana, uma australiana, uma israelita, uma libanesa, uma japonesa e duas chinesas.
Merece destaque a participação na mostra deste ano de um dos artistas mais populares e controversos da actualidade, o chinês Ai Weiwei, que compete com o documentário “Human Flow”, no qual segue a epopeia dos refugiados em várias partes do mundo mundo, um tema caro a Weiwei, que recorda assim a sua infância e os tempos em que ele mesmo foi “uma espécie de refugiado”. O seu pai, o poeta Ai Qing (1910-1966) foi enviado para um campo de trabalhos forçados chinês com a família quando o artista tinha apenas um ano de idade. “Compartilha do sentimento das pessoas que perderam o controlo do destino das suas próprias vidas”, disse Weiwei numa recente entrevista.
Este ano, e devido às preocupações com a onda de atentados terroristas na Europa, a cidade dos canais contará com uma série de medidas adicionais no que toca à segurança. Os organizadores do Festival anunciaram que a inspeção das pessoas e veículos serão mais minuciosas, e foi criada uma nova área de vigilância que contará com detetores de metais e um forte efetivo policial. Foram ainda instaladas novas câmaras de vigilância em áreas que não contavam já com a cobertura da autarquia e que serão monitorizadas por agentes 24 horas por dia. Entre hoje e dia 9 de setembro, o acesso à ilha de Lido será restringido às pessoas e carros previamente cadastrados, e, ao longo da Ponte della Libertà, que liga Veneza ao continente, serão ativados controles de velocidade para os veículos e um blindado militar estará a postos para garantir que nenhum veículo não autorizado viola o perímetro de segurança.
A agraciar a cerimónia, entre as presenças já confirmadas que irão desfilar pelo tapete vermelho este ano estão lendas de Hollywood como Jane Fonda e Robert Redford, que receberão o Leão de Ouro pelas suas carreiras, além de Matt Damon, Ethan Hawke, George Clooney, Javier Bardem, Penélope Cruz, Michelle Pfeiffer, Helen Mirren, Julianne Moore e Frances McDormand.