Essa falta de chá não foi impeditiva de uma gloriosa carreira política – 10 anos como primeiro-ministro, outros 10 como Presidente da República. O problema é que por razões de ordem variada a gloriosa carreira política acabou mal. Cavaco Silva saiu de Belém com o pior índice de popularidade que alguma vez teve um Presidente eleito e desde as famosas ‘escutas de Belém’ (que mereceram uma comunicação ao país em que Cavaco se queixou de poder estar sob «vigilância») às declarações sobre a reforma da mulher que «não chega para pagar as despesas», Cavaco Silva foi acumulando os tais «comportamentos inexplicáveis» de que o seu homem de confiança de sempre, o antigo assessor Fernando Lima, se queixou de também ter sido vítima. Esta semana, Cavaco Silva decidiu sair à rua, voltar a uma sessão partidária e presentear-nos com mais um comportamento inexplicável – o ataque a Marcelo.
O recurso ao exemplo de Emmanuel Macron para atingir Marcelo Rebelo de Sousa revela, para ser simpática, falta de chá. Dizer que «em França, não passa pela cabeça de ninguém que Macron telefone a um jornalista para lhe passar uma notícia ou uma informação» é uma forma de atacar Marcelo, sugerindo que fala com jornalistas e lhes dá notícias. Cavaco tem todo o direito de não gostar do estilo de Marcelo, mas é falta de sentido de Estado atacar o atual Presidente pela sua «verborreia frenética» quando ele, Cavaco acha, como Macron achará, que «a palavra presidencial deve ser escassa». É demasiadamente mau e é mais um comportamento inexplicável.
Marcelo respondeu com luva branca em mão de ferro. «Se os sucessivos presidentes (…) não têm respeito naquilo que dizem uns dos outros em termos de forma e conteúdo acabam por não se fazer respeitar pelo povo».
Cavaco Silva tinha perdido o respeito do povo muito antes de ter abandonado o mandato presidencial. A popularidade desmesurada de Marcelo, seu velho inimigo, deve deixá-lo doente. Isso é humano, mas não justifica tudo. Cavaco nunca aprende nada. Aliás, nunca aprendeu.