Saúde. Enfermeiros esticam a corda e pedem suspensão de título de especialistas

Sem título de especialista em saúde materna enfermeiros ficam impedidos de exercer estas funções

Está a escalar o tom do conflito entre os enfermeiros especialistas em saúde materna e o Ministério da Saúde, que se arrasta desde maio.

Dias depois de os enfermeiros terem entregue um pré-aviso de greve nacional para os dias 11 e 15 de setembro, a bastonária Ana Rita Cavaco veio lançar um alerta a dar conta que vários profissionais estão a pedir a suspensão de título de especialidade. Desta forma, os enfermeiros apenas podem prestar cuidados de saúde no geral ficando impedidos de exercer funções na especialidade de saúde materna e de obstetrícia, trazendo o risco de falta de pessoal para assitir aos partos.

Uma decisão “limite” dos que está a preocupar a Ordem dos Enfermeiros. “Vemos isto com muita preocupação” alerta a bastonária Ana Rita Cavaco dizendo, em declarações à Lusa, que a Ordem não tem outra solução senão “dar a suspensão do título”. Isto porque, explica a bastonária, “o título é deles, a vontade é deles e há procedimentos a fazer como a recolha da atual cédula profissional, que é o que os identifica para trabalhar, em Portugal ou no mundo, como especialistas”.

No centro do protesto dos enfermeiros está a criação da categoria de especialista na carreira de enfermagem. Uma diferenciação na carreira que os enfermeiros exigem que seja acompenhada por um aumento salarial. Entre as reivindicações está ainda a aplicação do horário de trabalho de 35 horas semanais para todos os enfermeiros.

O pedido de suspensão dos títulos foi a forma encontrada pelos enfermeiros especialistas em saúde materna e em obstetrícia para contornar a legalidade do protesto de zelo, que decorre desde maio, pressionando o gabinete de Adalberto Campos Fernandes. Recorde-se que tanto o título de especialista dos enfermeiros como a formação tem um custo suportado pelos profissionais.

Ameaças de processos disciplinares 

A decisão dos enfermeiros foi tomada depois de algumas situações de ameaças com processos disciplinares por parte de conselhos de administração de hospitais, diz ainda Ana Rita Cavaco.

Sem fim à vista para o conflito com a tutela a Ordem já apelou à “intervenção urgente” do Presidente da República, para quem foi enviada uma carta aberta alertando para os “tempos de emergência” do Serviço Nacional de saúde que “aumenta de dia para dia”.

Desde que os enfermeiros estão em protesto mas em julho entraram em greve de zelo apenas exercendo funções de cuidados generalizados de enfermagem, não prestando serviço especializado, exigindo o pagamento dos seus serviços especializados. Na altura, o protesto foi organizado pelo movimento dos Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstetrícia (EESMO), apoiado pela Ordem, e aderiram cerca de dois mil enfermeiros, o que acabou por bloquear alguns serviços de urgência.

Questionado pelo i, o gabinete de Adalberto Campos Fernandes não teceu qualquer comentário sobre a decisão dos enfermeiros.

Protesto ilegal

Por ter sido um protesto organizado por um movimento e não por uma estrutura sindical, o ministro da Saúde levantou dúvidas sobre a legalidade da iniciativa dos enfermeiros. Adalberto Campos Fernandes acabou mesmo a pedir um parecer à Procuradoria Geral da República que deu razão à tutela considerando, na altura, o protesto ilegal.

De acordo com o parecer da PGR, divulgado no final de julho, o boicote dos enfermeiros não está “em conformidade com a lei” e a Ordem “não pode decidir o recurso a uma greve”, tendo em conta que não tem natureza sindical, lê-se no documento. Por isso, defende ainda a PGR, os enfermeiros em protesto “podem e devem” ser responsabilizados disciplinar e civilmente pelos hospitais “pelos danos causados aos utentes”.

Além disso, de acordo com a lei, os enfermeiros podem ser alvo de faltas injustificadas pela “não prestação de serviço” que resulta do boicote.

Horas antes de ter divulgado o parecer da PGR, Adalberto Campos Fernandes fez saber que considera o protesto “irresponsável e fora do quadro legal”. O ministro da Saúde salientou ainda, àquela data, que “não estamos perante uma greve”, e sim um protesto “desorganizado e uma atitude ética e deontologicamente condenável”.

Adalberto Campos Fernandes sublinhou ainda que o governo está em negociações com os sindicatos precisamente sobre este assunto, e que “tudo fará para que a salvaguarda das condições clínicas seja mantida e não pactuará com comportamentos irresponsáveis”, avisou o ministro.