Primeiro pega-se na verba do Cinema, depois vai-se à China buscar uns brindes, ao Brasil o que for preciso para pôr uma novela de pé. A isso juntar-se-á ainda a “novela da novela”, esse universo cheio de possibilidades que será sempre para as revistas a vida pessoal dos atores, claro. Mas tudo isto virá disfarçado de um concurso. “Podem escolher o vencedor à partida mas façam isto parecer uma oportunidade para essa malta que gosta de mamar na teta do Estado.” Se vem isto do assessor (Dinarte Branco) ou da ministra da Cultura (Margarida Marinho) já serão outras contas e confessamos: não sabemos.
Talvez porque vá dar tudo ao ao mesmo nesta história que tanto pode ser a de um pai (José Raposo) e de um filho (Afonso Pimentel) que não se falam e se veem obrigados a fazer uma novela juntos como a de um governo em pré-gestão de crise, a braços com um escândalo que parece prestes a rebentar, que aqui também há lugar para o jornalista tonto que afinal não é tanto quanto parecia.
“País Irmão”, a nova série da RTP para ver ao longo das próximas 18 semanas às 21h00 no primeiro canal, será tudo isto num registo de quase crónica deste tempo e da sociedade em que vivemos. Comédia feita como se faria um drama, concordam os autores que fomos encontrar no Vila Galé Palácio dos Arcos, um dos locais em que, entre junho e agosto, foi rodada esta série escrita por Tiago R. Santos, João Tordo e Hugo Gonçalves, com realização de Sérgio Graciano e produção da Stopline de Leonel Vieira. E por aqui não andaram apenas os atores que apresentámos.
A eles hão de juntar-se ainda Virgílio Castelo como a estrela portuguesa em Hollywood, Victoria Guerra como jornalista de revista cor-de-rosa, Filipa Areosa, a assessora do assessor, Maria João Bastos como atriz para o papel de Carlota Joaquina (que “Corte Tropical”, a novela dentro da série, será de época) e Nuno Lopes como homem que resolve todos os problemas (“E agora? Agora telefona-se ao Capote Raposo”), além dos brasileiros Rodrigo Pandolfo e Natália Lage, entre muitos outros, para um projeto que ganhou a sua primeira forma há vários anos nas cabeças de Tiago R. Santos e João Tordo, que o escreveram inicialmente para uma minissérie de seis episódios ao género do falso documentário e aos quais no início do verão passado se juntou Hugo Gonçalves para, com a luz verde da RTP, a virem transformar, explica tiago R. Santos, numa “série com mais episódios e mais tradicional, de certa forma, ao nível da estrutura dramática”.
Guião e atores
“Ao contrário do que acontece normalmente com outros projetos, inclusive em séries que eu já tinha escrito, foi que a primeira fase [de trabalho] foi só de escrita, sem aquela pressão de entrar a produção e querer começar a gravar episódios ou de ter que se escrever três episódios numa semana. Houve muito tempo para amadurecer o guião”, diz o coargumentista sobre este projeto querido para os quatro e que não passará certamente despercebido no panorama da produção de ficção televisiva nacional.
“Logo desde o início” – nota Sérgio Graciano, realizador de “País Irmão” e de quem vimos recentemente a série “Filha da Lei”, também na RTP, ou o filme “Perdidos” – “costumávamos dizer que nunca nos tinha aparecido nas mãos uma coisa tão bem escrita. E ficamos sempre muito felizes quando aparece alguma coisa que faz sentido fazer com outro tipo de cuidado. Não que não queiramos fazer tudo com esse cuidado, mas este texto merecia mesmo um cuidado especial. Acho que quase descobrimos com isto um género diferente nas séries portuguesas.”
Sérgio Graciano fala na exploração da comédia dramática, registo pouco ou mal explorado na ficção portuguesa. “Normalmente ou os atores estão um bocadinho a mais, ou o texto é um bocadinho menos verosímil. Aqui a representação é hiperrealista, tudo é hiperrealista e as situações estão escritas para, como na vida, terem graça enquanto situação e não precisar de ser o ator a fazer a graça. Acho que aí que esta série é diferente de todas as outras”, diz o realizador, que entrega os louros do resultado destes meses de trabalho aos guionistas e aos atores.
“Guião e atores, por esta ordem. Quando o argumento é bom e os atores fazem bem, nós acreditamos. E emocionamo-nos. E esta série, mais do que fazer chorar ou fazer rir, emociona. É altamente completa do que diz respeito ao género – ou géneros.” Preocupação de sempre em “País Irmão”, sublinha Tiago R. Santos ainda em conversa sobre géneros, “foi nunca sacrificar as personagens por um momento de comédia: se esta personagem não faz isto, não pode fazer só para ter piada”.
Política, novelas e religião
As personagens primeiro – e esta será uma série delas, com 20 atores principais, mais outros 70, numa narrativa coral, de várias histórias que “vão avançando sem a preocupação de se estar sempre a fechá-las”, no que assumem como um passo arriscado. “Às vezes há um episódio em que os protagonistas aparecem pouco e isso é um risco, mas um risco assumido, porque também confiamos o suficiente nas outras personagens para acharmos que merecem esse espaço.”
E isso será “País Irmão” de volta ao registo hiperrealista de que falava Sérgio Graciano, à comédia pela vida como ela é. “Também não tens sempre as mesmas pessoas no teu dia”, acrescenta Hugo Gonçalves. “Esta série é o reflexo daquilo de que nós gostamos. Escrevemos, acima de tudo, uma série que íamos gostar de ver.” Daí que se encontrem neste produto que se sente português, influências de uma “nova comédia americana, de vozes única com um tom muito específico que é a visão daquelas pessoas sobre o mundo”, explica Tiago R. Santos. “Tentámos criar um género híbrido que as pessoas vão ver e ficar confusas sobre se será um drama ou uma comédia.”
Até porque, já dissemos e é bem verdade, aqui haverá lugar para tudo. A política, as novelas, o jornalismo, a família, a sexualidade, Portugal, o Brasil… e a religião, claro. Que IFUBEG afinal quer dizer Igreja da Felicidade Universal e Bem Estar Geral.