Espanha. Guarda civil prende governantes catalães

Sem votar o fim dos poderes autónomos democráticos previsto no artigo 155 da Constituição, Madrid prendeu governantes catalães, cercou sedes de partidos políticos e “confiscou” o dinheiro do governo da Catalunha

Às oito da manhã de ontem, numa operação de recorte militar, dezenas de guardas civis entraram nas sedes de quatro ministérios e outras seis instituições do governo autónomo catalão – um “ataque massivo” contra o governo catalão e o aparelho que organiza o referendo de 1 de outubro sobre a independência da Catalunha. Mais de 42 mandados de busca, assinados por um juiz, 20 pessoas investigadas e 16 pessoas detidas, segundo o canal de televisão La Sexta. Entre as pessoas presas pela Guarda Civil encontram-se membros importantes da administração catalã, como Josep Maria Jové, secretário- -geral das Finanças, braço-direito do vice-presidente do governo catalão, Oriol Junqueras.

A operação policial não se ficou por departamentos governamentais. Um forte contingente policial, com dezenas de agentes fortemente armados, tentou invadir na tarde de ontem a sede central do partido independentista radical CUP (Comités de Unidade Popular), sem sucesso, segundo um elemento da direção do partido, Quim Arrufat, em declarações ao i, e que estava na sede sitiada, por duas razões: “Há mais de 2 mil pessoas na rua que protegem a sede, e esta ação policial é de tal modo ilegal que os guardas civis não tinham sequer um mandado de busca.”

A situação, naquele momento, era de espera. “Devem ter ido buscar o mandado”, afirmou o dirigente. Durante a conversa, a chamada caiu várias vezes; Arrufat garantiu que têm todos os telefones sobre escuta. Segundo ele, o que vão fazer os independentistas nos próximos dias “é resistir pacificamente. Uma coisa é certa. No dia 1 de outubro vai haver referendo. Este autêntico golpe de Estado não vai impedir que os catalães exerçam os seus direitos democráticos”.

Milhares de catalães desceram à rua frente às instalações do governo invadidas pela Guarda Civil. A principal avenida de Barcelona foi cortada por trabalhadores das Comissiones Obreras, sindicato normalmente com posições anti-independentistas.

Da parte do governo catalão, a responsável de Comunicação, Anna Molas, contactada pelo i, comentou que se vivia uma espécie de estado de exceção”, mas remeteu a posição para as declarações, ao início da tarde, do presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, que perante os jornalistas afirmou que Madrid “suspendeu de facto o autogoverno da Catalunha” e que de, uma forma ilegal, impôs “o estado de exceção”. Puigdemont reiterou que no dia 1 de outubro os catalães vão fazer “uma mobilização massiva e cívica” para afirmar os seus direitos. O governo catalão vai convocar as organizações sociais e os agentes económicos e cívicos para responder àquilo que definiu como ofensiva repressiva de Madrid: “Não aceitaremos um regresso a épocas passadas e não aceitaremos que não nos permitam decidir sobre o nosso futuro em liberdade e democracia.”

Para o chefe do governo catalão, a resposta da Catalunha vai ser dada a 1 de outubro pelos cidadãos através do voto, contra um governo de Madrid que só tem como argumento as medidas de um governo totalitário.

Na quarta-feira, o presidente do governo, Mariano Rajoy, reuniu-se com o líder do PSOE, Pedro Sánchez, e com o presidente do Ciudadanos, Albert Rivera, para os envolver nas operações judiciais e policiais que se desenvolvem na Catalunha. O presidente do governo quer a colaboração de dois dos maiores partidos espanhóis na sua luta contra os independentistas catalães e na defesa da legalidade de Madrid. Apesar disso, o governo de Rajoy não conseguiu vencer na terça–feira um voto de confiança no parlamento espanhol apresentado pelo Ciudadanos.

Rajoy relembra que se limita a fazer cumprir a Constituição espanhola, que não admite qualquer veleidade de referendar a independência de uma parte do seu atual território e que coloca o exército como garante último da indivisibilidade de Espanha. No entanto, receoso de não conseguir aprovar no Congresso e no Senado a aplicação do artigo 155, que suspendia as instituições democráticas autónomas da Catalunha, o governo agiu por intermédio de um juiz titular do julgado 113 do tribunal de instrução de Barcelona, Juan Antonio Ramírez Sunyer, que chamou a si uma investigação que se encontrava nas mãos do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha. Segundo fontes judiciais, citadas pelo site eldiario, este juiz que investiga, há meses, o referendo a partir de uma queixa feita pelo partido de extrema-direita VOX deveria ter sido retirado depois de a investigação ter chegado ao supremo tribunal catalão.

A oposição de esquerda ao governo de Rajoy acusa-o de ter acicatado o independentismo e de nunca ter procurado uma solução negociada para as divergências surgidas a partir do chumbo do novo Estatuto da Catalunha, aprovado pelos parlamentos espanhol e catalão e referendado pelos eleitores da Catalunha. É muito significativa a posição conjunta que tomaram a presidente da câmara de Madrid e a de Barcelona, apelando ao fim das ações policiais e à abertura de um processo de diálogo sério.

A mesma posição tomou o histórico FC Barcelona: “Fiel ao seu compromisso de defesa do país, da democracia e da liberdade de expressão e do direito a decidir.”