Há mais de dez anos que a Porto Editora começou a preparar várias ferramentas digitais que são complementares aos manuais escolares em papel e, para já, o ritmo de adesão por parte do ensino privado tem sido bastante superior. “Há dois anos, cerca de sete em cada dez colégios em funcionamento usavam o digital”, alerta Vasco Teixeira, diretor e administrador da Porto Editora. Na escola pública, “nenhuma” usa de forma generalizada os manuais digitais, por falta de investimento na renovação de computadores. Mas há outros temas em carteira, como a promessa do governo de garantir manuais escolares gratuitos até ao 12.º ano até ao final da legislatura.
Como decorrem as negociações com o ministério sobre a distribuição gratuita dos manuais?
São inexistentes.
Quando reuniram pela última vez?
Reunimos em julho. Vamos reunir em breve, nos próximos dias, mas o Ministério da Educação tem tido muita relutância em definir connosco uma política estável para os manuais escolares. Refugia-se sempre numa posição do ‘vamos ver’, ‘não está decidido’, ‘temos de analisar com os parceiros’. Não sei se o ministério tem mesmo uma política. Se a tem não a transmitiu aos editores e está claramente a criar problemas à indústria.
Porquê?
Não conseguimos planear nada. Os editores estão sem saber quais são os planos, quais são os ritmos da gratuitidade, que impacto é que isso vai ter e o que o Ministério da Educação vai aceitar da revisão dos preços. É preocupante que o ministério não tenha uma política a vários anos que permita que a indústria planeie o seu trabalho e faça os seus investimentos adequados.
Como ficou a revisão dos preços?
Não ficou nada. Estamos a aguardar e preocupados. O Ministério da Educação não é aberto e transparente sobre o que tenciona fazer.
Sobre a flexibilização curricular. Como se estão a preparar?
Há pouco a dizer. Está no início e o que vai resultar em concreto ainda ninguém sabe. Os nossos autores já têm muita experiência em trabalhar com estas experiências. Isto para já não passa de uma experiência alargada. Vamos acompanhar e colaborar o mais possível dentro daquilo que for possível fazer.
A reutilização dos manuais trouxe quebra nas vendas?
É cedo para fazer esse balanço. Ainda estamos a vender neste momento. A perceção que temos é que, dos livros do 1.º ano, poucos foram os que se reaproveitaram. Era essa, aliás, a nossa expectativa.
O nível de vendas manteve-se, então?
Manteve-se. Não houve quebra em relação ao ano passado.
Qual é o nível de vendas?
Estamos a vender o que era expectável. Depende de cada livro porque depende da quota de mercado de cada livro.
E isso traduz-se em quantos?
Estamos a vender a 100% dos alunos que contávamos vender.
Como justifica o nível de vendas?
Os alunos dos primeiros anos de escolaridade precisam de trabalhar intensamente com os livros. E o governo tem um discurso dúbio. Por um lado, diz que se deve fazer o uso normal, por outro lado quer reaproveitar os livros. Mas os livros só podem ser reaproveitados se não escreverem neles. É desadequado dar um livro todo escrito a um aluno. Não é por acaso que os livros de 1.º ciclo e os de línguas têm espaço para escrever, é para que as aprendizagens sejam mais eficazes. É assim em todo o mundo. Se o aluno escrever nos espaços adequados, em vez de escrever no caderno, a aprendizagem é mais rápida sobretudo nas línguas.
Como vê a lei da desmaterialização dos livros?
Há mais de dez anos, 12 anos, que temos manuais digitais. Esse é um caminho que tem que se fazer mas, não é certo que a desmaterialização possa ser total. Não conheço nenhum país que tenha feito a desmaterialização total dos manuais escolares. E muito menos com sucesso. Há um ou outro mais avançado.
Quais?
A Califórnia tentou fazer isso mas recuou. A Coreia do Sul tentou fazer isso mas congelou. Já houve várias tentativas de acelerar esse processo.
Como vê o futuro cá?
Não é certo que se faça um substituição. Acho que se vai fazer muito mais uma complementaridade do que uma substituição. Em Portugal, os editores estão prontos há muito tempo. E os colégios, muitos deles, já usam intensamente os manuais digitais. Já há realidades de desmaterialização há muitos anos, tanto pelos alunos como pelos professores. Há dois anos, cerca de sete em cada dez colégios em funcionamento usavam o digital.
E na escola pública?
É uma questão de investimento. Ou seja, o governo quando quiser caminhar para a desmaterialização dos manuais tem que requalificar todo o parque informático da escola pública. Sem internet, as pessoas não conseguem usar os recursos digitais. A maior parte dos computadores da escolas estão obsoletos, a maior parte das redes que estão instaladas não comporta o uso de todos os alunos e de todos os professores.
Dentro da escola pública há discrepâncias neste campo?
Há discrepâncias na escola pública, onde surge um conjunto de escolas mais modernas ou de autarquias que deram dinheiro. Há uns oásis de escolas que têm boas redes informáticas. As escolas precisam de um responsável informático como normalmente têm as empresas, ou contratar uma empresa que lhe preste estes serviços. Não é suficiente recorrer ao conhecimento de professores de informática. A escola pública vai ter de se profissionalizar do ponto de vista tecnológico para que os alunos e os professores possam dar esse salto.
Quantos manuais digitais tinham na altura, quando lançaram a ferramenta?
Para o arranque, em janeiro de 2005, começámos no 9.º e 12.º anos que eram os anos em que havia exames. E começámos a Português e Matemática, anos que tinham exames.
Hoje quantos têm?
Temos cerca de 900 livros. É toda a oferta de livros do grupo da Porto Editora.
Quantas escolas públicas estão a trabalhar em pleno com manuais digitais?
Em pleno, em nenhuma. Mas muitas só com professores a nível individual. Cerca de 40% dos professores das escolas públicas usam pontualmente os recursos digitais para dar aulas. Portanto, 60% ou usam muito esporadicamente ou não usam nas aulas. De alunos são sobretudo os do privado. Na escola pública, alguns alunos usam por sua conta ou por conta dos seus pais.
Qual é o feedback dos professores?
Os professores da escola pública valorizam muito os recursos digitais para projetar na sala de aula. Os do privado valorizam a hipótese de os alunos terem os manuais digitais em complemento ao papel. O feedback tem sido crescentemente positivo. Este é um caminho que se está a fazer. É um caminho lento, porque implica investimentos, mudanças de paradigma no caso da escola pública e por isso implica dinheiro. Isto tem agravado as igualdades no acesso à educação, claramente.
Porquê?
O governo tem estado muito preocupado com as reutilizações e com os empréstimos. E os privados estão a fazer o seu caminho, independentemente das decisões do governo. E quem está a ficar para trás são os desfavorecidos, que não têm dinheiro e que são forçados a usar livros reutilizados. Não têm as mesmas ferramentas que os outros. Há um claro agravamento na desigualdade do acesso à educação nos últimos anos.
O governo já falou convosco sobre os manuais digitais?
Não, não falaram.
Mas vê o desaparecimento completo do papel?
Em algumas áreas só. Há áreas em que o digital não acrescenta valor ao papel, porque dificulta a reflexão.
Em que áreas?
Desde logo Filosofia ou o Português. Menos porventura na Matemática ou nas Ciências. Nas Letras vejo com alguma dificuldade o desaparecimento do papel. Depende também muito da evolução dos currículos e da evolução tecnológica. O digital, como está hoje, não substitui o papel. É só complementar. E quem for afortunado e tiver dinheiro para comprar um aparelho e comprar uma licença digital tem o melhor. Por isso, neste momento os alunos do privado são privilegiados porque têm o melhor dos dois mundos. E esta é a receita mais interessante para que um aluno estude.
Deu entrada no parlamento uma petição sobre as mochilas pesadas e foi criado um grupo de trabalho para se discutirem medidas. Foram chamados ao parlamento?
Não. Ninguém nos disse nada. Tomámos a iniciativa de escrever ao parlamento a informar o que os editores já têm feito. Que é muito. Temos dezenas e dezenas de livros divididos em pelo menos duas partes para pesarem menos e usamos o papel mais leve possível, para minorar esse problema. Mas não conseguimos resolver os problemas todos, sobretudo na faixa de idades do 5.º ao 8.º ano, em que os alunos são ainda pequenos, frágeis, numa fase de crescimento acelerada e o número de livros é elevado.
Em termos de negócio para os editores, o digital é uma aposta de futuro?
Honestamente, não sei dizer sobre como vão ser os livros escolares daqui a dez anos. Tenho a convicção que vão ser com menos papel e com mais digital do que são hoje, mais simples e mais pequenos.
Qual é o investimento da Porto Editora no digital?
É grande. Não lhe posso dizer com rigor mas investimos vários milhões de euros por ano.
Mais de metade do investimento total?
Não. É bastante menos ainda que metade. Olhando para o papel e para o digital, as pessoas pensam que o digital pode ser mais barato porque não tem os custos do papel nem da gráfica. Mas até chegar à versão que vai para a gráfica, o trabalho é igual. E o que se poupa no papel, gastamos muito mais no áudio ou no vídeo e no software.
Quanto custa fazer um manual digital?
No mínimo custa entre 200 a 300 mil euros e pode ir até a um milhão 1,5 milhão de euros. Depende da área da disciplina e do investimento que se puder fazer. Temos segmentos de vídeos de um minuto que custaram dez mil euros.
E o manual em papel?
Custa entre cem a 300 mil euros.
Quanto tempo leva a trabalhar num manual?
Um manual em papel leva quase 18 meses. E quando fazemos um livro, quase na fase final, nos últimos dois meses, passamos a enriquecê-lo com o digital e dura mais seis meses.
Já fizeram algum estudo sobre a eficácia das aprendizagens, sobre o que cativa mais os alunos?
Em termos de motivação, o digital é sempre superior. É novo, apela aos vários sentidos, é mais eficaz do que o papel. Mas no digital notamos alguma dificuldade na capacidade de concentração, de reflexão e no espírito crítico dos alunos. Por isso, em determinadas matérias e áreas é quase contraproducente. Porque o aluno tende a estudar pela rama e a não refletir. Por exemplo, se lhe der um texto de Platão é mais difícil de prender o aluno na leitura e a capacidade de espírito crítico é menor. A nossa relação com o digital é muito restrita, curta e imediata. Estamos à espera de ler uma coisa imediata e custa-nos ler um texto muito grande. Por isso me inclino muito a dizer que no futuro o papel não desaparecerá totalmente.
Quais são os desafios e por onde vê o digital a caminhar no futuro?
Muito para o smartphone. Vai ser um desafio. Estamos a fazê-lo com o híbrido e esse é um caminho muito interessante. É o segundo ano em que fazemos essa aposta e outros países estão a fazer experiências similares, nomeadamente na Finlândia e na Alemanha, e por isso nós temos alguma expectativa no smartphone. É um instrumento que quase todos os alunos têm em permanência na mão.