Dia 2 de outubro, o centro-direita português dividir-se-á. Com forças e fraquezas distintas e com uma geringonça a querer mostrar serviço, PSD e CDS vão ter de evitar que os sucessos locais da esquerda passem como um insucesso nacional da direita – tarefa que o governo liderado por António Costa já torna diariamente difícil.
Para isso, por um lado é fundamental que Assunção Cristas consiga não só um bom resultado em Lisboa – acima dos dois dígitos, quiçá à frente de Teresa Leal Coelho – como também focar as atenções do rescaldo no apoio do CDS a Rui Moreira, caso o independente torne a ganhar o Porto, e no seu próprio presumido sucesso, em Lisboa.
Dito de outro modo: Assunção Cristas avança para a sua primeira eleição à frente do CDS e precisa de exibir cabedal. A campanha dinâmica na capital e o modo como ofuscou – e pode vir a ofuscar – os sociais-democratas a nível local são uma forma inegável de legitimação interna – algo de que Cristas, que não veio do aparelho, necessita.
Mas se a presidente centrista, para isso, precisará de (1) manter “o penta do CDS”, isto é, as cinco câmaras municipais que já detém e (2) concentrar os holofotes nos resultados das metrópoles (Lisboa e Porto), Passos Coelho precisará de fazer quase o oposto: mais que manter mandatos autárquicos, o líder do PSD tem de crescer em comparação com o desastre de 2013 e, sobretudo, evitar que os possíveis terceiros lugares nas duas maiores cidades do país – e com candidatos de responsabilidade sua – sirvam de acusação sumária à sua liderança e ao seu partido.
Num tempo em que a estrada para as eleições diretas já está ao rubro, Passos Coelho já mudou de objetivo uma vez e terá de mudar de discurso outra. É que o ex-primeiro-ministro começou por estabelecer ter mais presidências de câmara como meta, de seguida reequilibrando a balança para “mais mandatos”, ou seja, incluindo os eleitos tanto nas listas de vereação como nas assembleias municipais.
A “ruralização” do partido diagnosticada por Miguel Relvas em recente entrevista ao semanário “Expresso” pode não ser, nesse sentido, negativa, na medida em que fabrica um escape para as vitórias impossibilitadas no Porto e em Lisboa seja por hegemonia do PS, seja pela autonomia decidida pelo CDS de Assunção Cristas.
Se o resultado dos “laranjinhas” for menos mau que em 2013, como é ambicionado, será devido a um sucesso mais rural ou periférico, que foram incapazes de reproduzir em campanhas contra os incumbentes na Invicta e na capital do país.
Em Barcelos, a ambição tem crescido, com idas de Marco António Costa, Marques Mendes, Luís Montenegro e Passos Coelho por duas vezes a eventos de campanha, juntando o facto de o executivo camarário socialista estar dividido, com uma candidatura agora independente contra si. Em Oeiras, o resultado do candidato do PSD deverá ser tão preocupante quanto o das referidas metrópoles, com o inconveniente de ver Isaltino Morais regressar a uma Câmara e – caso consiga maioria absoluta – com influências diretas no PSD distrital que não são favoráveis a Passos Coelho.
Em Loures, se André Ventura conseguir vencer a disparidade das sondagens que lhe têm sido atribuídas, os anticorpos de alguma direita que desde o início mantém e ultrapassar, por exemplo, o resultado de Leal Coelho no concelho ao lado, colocar-se–á a questão: está aí um novo (questionável ou não) modo de fazer política dentro do PSD?
Resumindo a saga: o day-after de Pedro Passos Coelho será marcado por reflexão interna (há Conselho Nacional do partido logo na quarta-feira), por uma mensagem que preferirá olhar mais para putativas conquistas no interior que a desaires nas grandes distritais e pela oficialização de uma nova etapa na sua maratona: o congresso que vem aí. E Rui Rio, com ou sem “casa arrumada”, está a chegar.
Para Assunção Cristas, por outro lado, é o tiro de partida. Um primeiro teste eleitoral em que consegue maior protagonismo nas duas maiores cidades do país que um partido com mais 71 (!) deputados eleitos no parlamento não é feito que se descarte. Se duplicar o resultado de Paulo Portas em Lisboa, está mais que pré-coroada para revalidar a sua liderança.
Cristas, ao leme do CDS, puxará pelos centros urbanos e por si própria; Passos, pelo PSD, desdramatizará e distanciar-se-á de umas eleições que nunca foram, verdadeiramente, a sua prioridade. Ainda não é um divórcio no fim a atingir, mas é certamente uma separação nos meios para lá chegar: PSD e CDS, um “rato do campo”, um “rato da cidade”.
Passos sabe, e aliás já o disse, que só tornará a ser primeiro–ministro com maioria absoluta – e se já seria complicado a direita ganhar legislativas não estando coligada, mais complicado seria alcançar a maioria absoluta que falhou em 2015.
Cristas deu a entender no congresso que a elegeu que iria a eleições nacionais sozinha – sem PPD/PSD –, o que não destoaria de todo, depois de deixar a “batata quente” de Ventura no colo de Passos, saindo da coligação em Loures, e de ter recusado deixar de apoiar Rui Moreira para receber em troca o apoio do PSD em Lisboa. A demarcação é, assim, manifesta, tanto nas opções políticas enumeradas como do ponto de vista programático. Passos não larga o “reformismo do Estado”, Cristas não largou a ação social. Com que relação chegarão os dois a eleições nacionais? É uma questão que a diferença de conjuntura no pós-autárquicas não deixará de marcar. Passos não é político de grandes futurismos – agora há é um congresso para ganhar, uma liderança para manter. Mas que Cristas ambiciona política de grande futuro, já há poucas dúvidas. Só esperar por dia 1 de outubro.