É verdade que há em Angola vontade em romper relações diplomáticas com Portugal?
Os meios informativos falam disso, mas não é informação que tenha saído daqui.
Não há essa discussão no MPLA?
Não. Com Portugal há sempre vontade de entrosar, de estarmos juntos. Agora, pode haver animosidade de algumas pessoas que nada tem a ver com os países e os povos. É verdade que em Portugal há grupos de pessoas que acham que Angola tem de se subordinar a Portugal. Não pode ser. Já foi colónia cerca de 500 anos, chega! Somos nações independentes. Temos de nos respeitar. Não sabemos por que existe essa animosidade de alguns grupos portugueses.
Em nenhum momento dentro do MPLA se discutiu a possibilidade de que pudesse haver um corte de relações com Portugal?
A nível de partido, não. Nunca ouvi isso e sou membro da direção do partido há muitos anos. Que é verdade que nos sentimos ofendidos quando, por exemplo, o João Soares nos trata como se fôssemos primitivos, sem respeito. É o João Soares e aquela senhora eurodeputada, a maneira como aborda as questões, parece que pensa que Angola ainda é uma colónia portuguesa. O que é que se passa com essas pessoas?
Está a falar de Ana Gomes?
Sim, ela mesmo. Ela nunca está satisfeita connosco. Acha que temos de nos subordinar a ela.
A questão do processo judicial contra Manuel Vicente em Portugal foi discutido no bureau político do MPLA?
Não. O bureau político nunca discutiu isso, é um problema judiciário, tem outros fóruns onde se tratam destas questões. A nível do partido, procuramos não nos imiscuir nestas questões. Agora, o que nós dizemos é que Manuel Vicente é membro da direção do partido, e até há pouco tempo foi vice-presidente de Angola, e não é na praça pública que se resolvem esses problemas.
Portugal não está a respeitar…
Não é Portugal como Estado, são os órgãos judiciais. Acho que deviam tratar essa questão de outra maneira e não a nível público. Não percebo por que há esta necessidade de publicitar nos jornais. Não fica bem para Angola nem para Portugal, nas nossas relações. Quando falam de três poderes, os três poderes não são só em Portugal, também aqui em Angola há três poderes. Não é só porque há separação de poderes que se revelam as questões judiciais que deviam ser segredo. Manuel Vicente é inocente até ao dia em que se provar que é culpado. Por que se põem as coisas na praça pública? Nós não faríamos isso a nenhum português, por uma questão de respeito.
Que gestos é que Angola precisa de Portugal para que as relações entre os dois países melhorem?
Os dois ministérios de Relações Exteriores devem conversar, encontrar a melhor forma de ultrapassar as coisas.
Acha que se o processo contra Manuel Vicente fosse arquivado tudo voltaria ao normal?
Quem sou eu para dizer que o processo deve ser arquivado. Não é por aí. O que não gostamos é da forma como foi abordado na praça pública.
Quando o ministro Rui Mangueira esteve recentemente em Portugal qual foi a mensagem que trouxe?
Não sei, nem sequer sabia que estava em Portugal.
Mas acha que a questão devia ser resolvida diplomaticamente?
As instituições judiciárias em Portugal são as mesmas que existem em Angola. O Manuel Vicente é angolano, por que tem de ser ouvido em Portugal? É um desrespeito às instituições que existem em Angola. Se Portugal tem as suas leis, nós também temos. Se for para ser julgado, tem de ser julgado aqui em Angola. Isto é a minha opinião pessoal, como jurista, não engaja o meu partido, nem o Estado.
Também tem a ver com a imunidade de Manuel Vicente.
E também tem imunidade porque ele é deputado. As coisas não correram bem. Aquilo que vocês fizeram ao engenheiro José Sócrates, sujaram o nome dele, foi primeiro-ministro, e até hoje não foi julgado, não se sabe se tem culpa ou não tem. É assim que funcionam as instituições democráticas, a sujar o nome das pessoas?
Acha que a Justiça portuguesa está a sujar o nome de Manuel Vicente?
Não sei se é a Justiça. Os jornalistas pegam naquilo e falam. Que democracia é esta? Difamar assim as pessoas que não são criminosas. É preciso ter cuidado. Nós respeitamos o povo português, respeitamos o Governo português, respeitamos a soberania portuguesa, só pedimos que nos respeitem também.
O facto de o Presidente João Lourenço, no seu discurso de posse, ter falado de vários países parceiros de Angola e não ter mencionado Portugal, tem uma interpretação política?
Outros países não foram citados, ia cansar o público, deu exemplos e no fim disse que os outros que não são citados não têm menos importância.
Estando o Dino Matross na política há muito tempo sabe que o facto de não mencionar Portugal não é a mesma coisa que não mencionar outro país.
[Risos] É uma questão de interpretação, não é nossa. Portugal sabe que estamos intrínsecamente ligados, pelas famílias… É como as ex-colónias francesas. Temos uma relação muito forte, nomeadamente, na área comercial, mas não só. Temos muito respeito pelo povo português, quando falamos não queremos tocar no povo português, que não tem nada a ver com esta questão. Agora no seio do povo português há pessoas que não nos podem ver. Eu acho que deviam evitar, mesmo que fosse individualmente, de passar todo o tempo a colocar Angola na boca de todo o mundo, porque toda a gente lê, toda a gente ouve, toda a gente vê. Que Angola é isto, que Angola é aquilo, que em Angola há corruptos. E, então, em Portugal não há corruptos? Nós não estamos a defender a corrupção, é um mal que deve ser combatido em todo o mundo e nós também o estamos a fazer. E a história da vaia ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Isso não aconteceu?
Não aconteceu, nem podia acontecer. Em relação aos outros presentes, foi o mais ovacionado. O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa é muito querido aqui. Ele esteve no aniversário da Faculdade de Direito e toda a gente queria tirar fotografia com ele, por onde passou encontrou esse apoio, simpatia.
Acha que há pessoas interessadas em que as relações entre Portugal e Angola estejam conturbadas?
Exatamente. Isso é que magoa muitos de nós aqui. A gente pergunta: o que querem fazer com Angola? Querem ou não boas relações com Angola? Que querem essas pessoas de Angola? Estão sempre a falar mal, já nos trataram de fascistas, que somos ditadores. Onde está a ditadura? O Presidente saiu voluntariamente, a Constituição conferia-lhe o direito de candidatar-se. Não sei onde está essa ditadura. Falam dos direitos humanos: em Portugal também respeitam todos os direitos humanos a 100%? Nós somos um Estado novo, uma democracia nova e reconhecemos que ainda temos muita coisa para superar. Sabemos isso. Mas leva tempo, grande parte da nossa população é analfabeta, não sabe o que quer dizer democracia, não sabe o que são direitos humanos, temos de explicar. Temos de ir devagar.
O novo Governo tem menos ministros…
Quando se ampliou o Governo foi na altura do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional [depois dos acordos de paz de 2002], para integrar algumas pessoas dos outros partidos, sobretudo da UNITA. Agora que já não há necessidade, estamos a reduzir, até porque economizamos e temos um Governo mais eficaz.
Isso foi uma discussão dentro do MPLA ou uma decisão de João Lourenço enquanto Presidente?
João Lourenço não faz nada sozinho e sem a direção do partido. Aquilo que ele fez foi discutido no seio do partido.
Este Governo é de uma transição na continuidade, ao ficarem nove ministros do anterior Executivo, incluindo o das Finanças, e 13 dos 18 governadores?
Se não fosse assim, iríamos atrasar ainda mais as coisas, há dossiês avançados, ministros que tinham sido nomeados quase no fim do anterior mandato e que estão a fazer bom trabalho.
Não se perdeu uma oportunidade de ter mais jovens no Governo?
É preciso ter muito cuidado com os jovens. Se eu saio hoje da universidade sei muita teoria e pouca prática. Meter muitos jovens sem experiência só nos causaria problemas.
Há vozes no MPLA que defendiam uma maior renovação dos altos quadros do Governo, gente com experiência, com formação.
Não. A maior parte deles são jovens com experiência. Um país como o nosso, com tantos problemas, é preciso saber intercalar alguns jovens com 40 e tal anos – que para nós ainda é muito jovem. Com 20 e tal anos ficam como técnicos e vão substituindo os outros na medida das necessidades.
As escolhas dos nomes deste Governo foram discutidas no MPLA ou há nomes impostos pelo Presidente João Lourenço e pelo líder do partido, José Eduardo dos Santos?
É o agora Presidente, segundo a Constituição, que nomeia o Governo, mas obedecendo ao programa do partido, com o qual foi sufragado. Ele propôs e levou à consideração do partido, o partido teve de discutir e dar-lhe o veredito.
E houve nomes propostos pelo Presidente que não passaram?
Não sei de onde saiu isso, o Presidente propôs os seus nomes ao bureau político e este anuiu. Ouvi por aí que houve imposição, mas se nós aqui na direção do partido não sabíamos quem ia ser como é que sabiam lá fora? Houve muita especulação.
João Lourenço foi o cabeça de lista do MPLA e assumiu a Presidência, no entanto, o partido tem outro presidente, José Eduardo dos Santos. O atual chefe de Estado não está numa posição política subalterna?
O presidente do partido vai ficar algum tempo, pode ser um mês, seis meses, tem de haver um congresso extraordinário para elegermos o novo presidente, que, seguindo a nossa tradição, deverá ser o Presidente da República. Mas não posso adiantar nada porque ainda não se discutiu.
Mas ainda não respondeu à questão, como será a coabitação entre o Presidente da República e o presidente do partido? Não terá José Eduardo dos Santos a última palavra, sendo presidente do MPLA?
Sim, a nível do partido.
Só que o Presidente da República responde ao partido uma vez que foi eleito nas listas do MPLA.
Sim, tem de responder ao partido. Quando forem questões que tenham de passar pelo partido, ele terá de levar ao partido para discussão. Salvo se o presidente do partido delegar o seu poder, porque o Presidente da República é vice-presidente do partido. Ele ontem [quinta-feira] dirigiu a reunião do bureau político porque foi mandatado pelo presidente do partido.
Isso não poderá provocar conflitos?
Em termos do partido, o Presidente da República subordina-se ao presidente do partido. Nas questões de Estado, ele só responde perante a Constituição. Desde que não contrarie a orientação do partido.