Foram demasiadas horas de estrada para quem vai encolhido no banco de trás de um carro. Quando finalmente chegámos perto de Split, já era hora de jantar. Tínhamos encontrado no Booking um apartamento a dez minutos da cidade e ficámos por lá; chamava-se Apartmani U Kastelina.
Os croatas não têm feições muito simpáticas e muitos dos sorrisos que damos não têm resposta de volta, mas de vez em quando aparece uma cara mais feliz que compensa as outras todas.
Os senhorios eram um casal bastante peculiar. Ela com ar de nova, bastante maquilhada, com umas calças justas que lhe realçavam as curvas. Ele, bem mais velho, parecia ter um metro e noventa, pernas finas, calções demasiado curtos e uma barriga empinada numa camisola interior antiga, de alças. Viríamos a perceber que os homens croatas são de grande porte, no geral. Estávamos em Hrvatska, a casa ficava mesmo em frente a uma praia, dois quartos e uma casa de banho ficaram-nos por 35 euros. O jantar foi numa pizzaria com um terraço verde em frente ao mar. Na entrada havia uma dançarina e o Restaurant Ballet School mostrou-se um canto agradável, embora os funcionários não nos tenham mostrado muitos dentes. Há bastantes gatos na rua, a Diana diz que lhe faz lembrar a Grécia.
As águas do mar da Croácia são efetivamente límpidas mas, habituada às praias portuguesas onde passei tantos verões, fica muito difícil sentir-me impressionada. Até porque, até então, tudo o que vimos foram praias de pedra; areia, só daquela que parece terra: castanha escura, fina, como chocolate em pó.
Essa noite foi mais difícil, havia muitos mosquitos, mas estávamos tão cansados que nem deu para notar as picadelas, só ao outro dia, quando elas se tornaram enormes caroços espalhados pelo corpo todo.
Seguimos em direção a Split, mas antes decidimos parar na fortaleza de Klis, onde se fizeram as filmagens da cidade de Mareen em “Game of Thrones”. O castelo fica numa colina perto de Split e tornou-se uma enorme atração turística graças à série da HBO. Um jovem chamado Mate, sócio de um pequeno café local, diz-nos enquanto olha para as fotografias com os atores da série numa moldura que aquela pequena localidade bateu recordes de dormidas no ano passado, algo que o seu negócio tem agradecido. Um euro equivale a sete kunas croatas e, nesse dia, começámos a perceber o que nos esperava. As porções de comida eram mínimas, ao contrário do que nos pediam por elas; os snacks nos supermercados acabariam por salvar-nos.
O Miguel e o amigo iam em direção a Dubrovnik e, por isso, deixaram-nos em Split, a segunda maior cidade do país. O centro da cidade está entre muralhas. O Palácio de Diocleciano, mandado construir pelo imperador homónimo, está tão bem conservado que nos faz recuar ao tempo entre a Antiguidade clássica greco-romana e aIdade Média. Lê-se em folhetos sobre a cidade que o imperador romano Diocleciano ordenou que se construísse este palácio para que pudesse usufruir dele depois de se retirar do poder. Dentro das muralhas impõe-se um minucioso labirinto de ruas apertadas onde centenas de lojas e restaurantes se encaixam para receber os milhares de turistas que por ali passam todos os meses. A cidade, porém, vai além das muralhas e as 2800 horas de luz solar durante o ano atraíram ao longo dos tempos multidões que se decidiram a viver por lá. Hoje contam-se cerca de 180 mil habitantes, que nomearam Split “Flor do Mediterrâneo”.
Mais uma vez, encontrar o hostel não foi fácil e acabámos por perceber que na Croácia as receções tendem a não ser no local onde se dorme. Temos, por isso, de andar mais um pedaço de mochila às costas até podermos finalmente descansar. No hostel conhecemos uma canadiana de 28 anos; chama-se Danielle e começou a viajar sozinha em 2015, aos 26 anos. Tem viajado pela Europa, já visitou 30 países e conta-nos que, hoje em dia, nunca se viaja sozinha porque se acaba sempre por se conhecer gente em todo o lado. Algo que temos comprovado, já que em todos os sítios que passámos temos trazido gente no coração e adicionado números e contactos de Facebook durante toda a viagem.
Na manhã seguinte, os nossos corpos agradeceram que tivéssemos ido ao supermercado recolher mantimentos para o nosso pequeno-almoço. Iogurtes gregos estão em todo o lado e nunca pensei que os cereais que como todos os dias em Portugal viessem a saber-me tão bem fora de casa. Aproveitámos algumas horas da manhã para trabalhar e, um pouco mais tarde, daria de caras com o Robert, um norte-americano que conheci no Generator Hostel, em Veneza, e cujo hostel em Split era a cem metros do nosso. Ele estava de ressaca, tinha voado de Roma nesse dia e ainda não tinha almoçado, por isso fez-nos companhia num restaurante que nos serviu uma pasta incrível. O Robert, que veio do Arizona, é engenheiro e tem 25 anos. Despediu-se do trabalho e decidiu viajar durante três meses. Acompanha-nos enquanto falamos com pessoas nas ruas de Split e, mais tarde, jantámos todos juntos. Estamos todos cansados, há demasiadas pessoas na rua, demasiados selfie sticks, demasiados souvenirs.
O dia acaba na varanda do nosso hostel, enquanto bebemos uma cerveja e comemos amendoins. Não é tarde, mas o dia já deu o que tinha a dar. Ao longe está o mar, as ruínas de Split e uma lua a crescer com uma estranha tonalidade laranja. Marca-se o despertador para cedo. Amanhã seguimos para Dubrovnik.