Stephen Paddock é uma figura difícil de conciliar com os preconceitos americanos sobre o que é um terrorista. Branco, reformado, multimilionário, antigo gestor de uma empresa no ramo militar, desafogado e despreocupado, de quem não se ouviam opiniões políticas ou alguma coisa que indicasse que pensava levar para um quarto de hotel um arsenal digno de uma equipa de comandos: 23 armas, espingardas semi-automáticas que parece ter modificado para disparar sem interrupções, milhares de balas, tripés para ajudar o tiro e óticas de categoria militar.
Com estas armas cometeu o mais sangrento ataque na História moderna dos Estados Unidos. Ninguém sabe dizer porquê, mesmo que essa pergunta se colocasse esta terça-feira talvez mais que qualquer outra. A investigação estabeleceu para já apenas os seus últimos passos. A razão para no domingo ter cuspido centenas de balas na direção de uma plateia com 20 mil pessoas, se é que a há, vai ter de ficar para mais tarde. O autoproclamado Estado Islâmico tentou ainda dizer na segunda-feira que Stephen Paddock agiu em seu nome e se converteu ao islão há meses. Mas as autoridades garantem que não há indícios disso. E o grupo, ferido de morte no seu califado, tem vindo a exagerar o alcance do seu terrorismo de oportunidade.
Paddock matou 59 pessoas e feriu 520 no domingo. Esta terça-feira, 33 estavam em condição crítica, segundo informava o “New York Times”. Fê-lo disparando mais do que uma arma, e, possivelmente, tendo em mãos um engenho completamente automático, o que é ilegal mesmo nos Estados Unidos. Disparou desde o 32.º andar do Mandalay Bay, uma suite de luxo que arrendou na quinta-ºfeira com a fortuna amealhada entre negócios de imobiliário e a vida de grande apostador. No local de um dos concertos do festival de música country, as pessoas deitaram-se e agacharam-se. De pouco serviu. O atirador estava numa posição elevada e todos atingiu. Muitos dos que fugiram às balas foram esmagados pela debandada em caos, rodeada por uma vedação e sem muito por onde fugir.
Armas e mais armas
Em casa, Paddock deixou 19 armas, químicos e explosivos. A investigação diz que as foi amealhando ao longo dos anos. Sem cadastro, historial ou indicações de doenças psiquiátricas, era livre de o fazer. A um dos vendedores disse que queria passar a reforma ocupado com um dos mais populares hóbis americanos. As autoridades localizaram já a sua namorada, de férias no Japão no momento do ataque, aparentemente de fora dos planos de Paddock. Por duas vezes divorciado, o atacante conheceu-a numa mesa para grandes apostadores, também em Las Vegas, no Nevada, o seu estado natal. Um dos últimos a saber de Paddock antes de domingo foi um seu irmão, a quem perguntou no mês passado se o furacão Irma atingiu a casa da mãe. Eric caiu em lágrimas ao falar com o “New York Times”: “Não há nada que possa dizer. O meu irmão fez isto, É como se nos tivesse baleado. Não podia estar mais estupefacto.”
Os Estados Unidos estavam esta terça na coreografia habitual das matanças com armas automáticas. Os Democratas pediam leis mais apertadas no controlo de armas. Os Republicanos evitavam o tema, dizendo que o momento é de luto e não de política. O presidente, Donald Trump, admitiu avançar com um diálogo nos próximos dias, mas as suas declarações já sugerem a distinção que parece ocorrer quando os terroristas não se enquadram no ideal do homem de ascendência muçulmana. Paddock, dava esta terça a entender o presidente americano, é apenas vítima de si próprio e não representa nada de mais vasto: “É um homem doentio, um tipo depravado. Com uma série de problemas, suponho.”