Agricultores fazem contas à vida e temem o que está para vir

Produtores temem grandes quebras na azeitona, que está a mirrar, e alguns falam também de uvas mais pequenas. E é preciso chuva para hidratar o solo para novas sementeiras

Terra seca, plantas secas e fruta seca. O cenário já não é novo, mas parece que, com o passar dos anos, as temperaturas dificultam cada vez mais a vida dos agricultores portugueses, que tentam a todo o custo salvar as suas produções. Só pedem uma coisa: chuva. A situação tornou-se de tal forma preocupante que o Estado está a ponderar intervir. Mas as opiniões dividem-se: alguns produtores dizem que, de facto, o governo pode ajudar a reverter esta situação, outros dizem que o melhor é pedir todos os dias uma ajuda a São Pedro.

Depois das previsões de mais tempo seco para as próximas semanas, o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, revelou que o governo está a ponderar pedir a alguns agricultores que alterem as próximas culturas, trocando as que exigem um maior consumo de água por outras que precisem de menos. “Este ano tivemos, na bacia do Sado, problemas com o arroz. Temos culturas, como o tomate, o melão e alguns cereais, que são espécies adotadas para regadio, e nesses casos o que vamos fazer é pedir que se faça uma substituição na sementeira para o próximo ano em determinadas regiões”, disse o secretário de Estado, numa entrevista à Rádio Renascença.

“O pior que se podia fazer era as pessoas avançarem para sementeiras e, daí a pouco, perderem os custos da sementeira”, acrescentou.

Mas não são apenas estas culturas que estão em risco – as vinhas e as macieiras estão a ser objeto de preocupações entre muitos agricultores, que temem que a situação possa vir a agravar-se. Quanto às azeitonas, muitas das que já foram cultivadas não vão poder ser usadas para fazer azeite, isto depois de 2016 já ter sido um ano difícil, com quebras de 30% na produção.

“Estamos no outono e as temperaturas estão muito elevadas. Normalmente, já teria havido alguma precipitação, mas estamos há quatro meses sem chuva. Já a primavera foi muito seca. O nível de água do solo é muito baixo. Só com o apoio da rega é que se conseguiu manter as plantas”, explica ao i Duarte Borges, da Afuvopa – Associação de Fruticultores e Olivicultores do Planalto de Ansiães.

“Nas vinhas, o ano de 2016 foi especialmente difícil e até registámos um ligeiro aumento este ano”, conta o produtor. No entanto, comparando com anos anteriores, os cachos estavam com uvas muito pequeninas. “Houve muitas uvas que não pesavam, ou seja, que não tinham matéria corante para darem quilos.”

Quanto às maçãs, a colheita está agora a acabar mas, de qualquer forma, aqueles que ainda têm água continuam a regar os solos, diz Duarte Borges. “No caso da fruticultura, os efeitos podem não se sentir este ano, mas sim no próximo – é importante que haja água e frio para hidratar o solo e garantir a produção do próximo ano. O próximo ano pode vir a ser pior que este.”

A campanha da castanha também está a sofrer grandes problemas com a seca. Quem o diz é Dinis Pereira, sócio-gerente da Agromontenegro, que estima uma quebra de 50% na colheita. “Há situações em que o prejuízo não se vai só refletir neste ano, mas também nos próximos anos, porque as pessoas não fazem dinheiro [suficiente para compensar] aquilo que investiram.”

A opinião é partilhada por Albino Bento, presidente da direção do Centro Nacional de Competências de Frutos Secos. A produção da castanha vai começar daqui a pouco tempo e, sobretudo em zonas mais baixas e mais quentes, está a notar-se muito o impacto da seca, diz o produtor. “As culturas que estão a ser colhidas agora, com este outono anormalmente quente e seco, estão a sofrer mais: a castanha, a oliveira e toda a parte de produção animal – tudo o que é pasto está mais do que seco”, acrescenta o responsável.

 

Cereais e azeitona em risco

Os produtores de cereais também estão a enfrentar grandes dificuldades – durante este ano, na campanha que terminou em julho, houve uma quebra de 30% devido às altas temperaturas e ausência de chuva na primavera. No entanto, a próxima produção – que arranca em novembro – pode ter resultados ainda mais dramáticos. “Se as previsões do IPMA se concretizarem será um ano pior que este, sem dúvida. E estamos a falar de um ano dramático: se não se puder semear cereais, não se pode semear mais nada. Tenho 40 anos e não me lembro de uma situação tão dramática quanto esta”, diz José Palha, da ANPOC – Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais.

Quanto à produção de azeitona, esta pode ser feita através de sequeiro ou regadio. Nos casos das produções que não são feitas através de rega, foi registada uma quebra. “Estas produções foram muito afetadas. São e vão ser muito afetadas tanto a nível de quantidade como de qualidade”, explica ao i Manuel Castro e Brito, da ACOS – Associação de Agricultores do Sul. Duarte Borges, da Afuvopa, também se mostra preocupado com a produção de azeitona: “Vai haver uma grande quebra da produção – as azeitonas estão a encolher e não dá para aproveitar para extrair azeite. Mesmo que agora comece a chover, vai haver uma queda acentuada. Grande parte da produção já não se aproveita.”

 

Vinhas e arrozais pouco afetados

A seca afeta as culturas e o país de forma desigual. No caso do arroz, o balanço não é dramático, porque uns arrozais compensaram outros mais afetados. De acordo com Pedro Coutinho, da ANIA – Associação Nacional dos Industriais de Arroz, a seca “afetou principalmente a zona do rio Sado, mas essa zona representa apenas 30% da área de produção. Este ano, as produções estão a ser boas. Como cada hectare está a dar mais quilos de arroz, à partida não se irá notar na produção final”. No entanto, se o tempo quente continuar, esperam-se resultados piores no próximo ano.

O calor fez também com que a altura das vindimas fosse antecipada um pouco por todo o país, o que ajuda a prevenir alguns prejuízos. Na zona do Tejo, por exemplo, os produtores começaram duas a três semanas antes do previsto, em finais de julho, por forma a evitar o impacto do tempo quente nas vinhas.

O enólogo Sérgio Oliveira acredita que as produções não foram afetadas nem em termos de quantidade nem de qualidade. “As vinhas são plantas que resistem muito à seca. Tenho falado com pessoas no terreno que se mostram surpreendidos com a qualidade da uva e perspetivam uma ótima colheita. Seria mais difícil controlar a situação se estivéssemos perante um ano chuvoso.”

Questionado sobre o facto de nem todos os produtores se mostrarem tranquilos com o estado das vinhas, alertando para a pouca qualidade do produto, Sérgio Oliveira diz ao i que se tratará de “casos pontuais”.

 

Efeitos lá fora

O tempo quente tem afetado todo o sul da Europa. De acordo com a publicação “Olive Oil Times”, a produção de cereais em Itália e Espanha caiu para os níveis mais baixos dos últimos 20 anos devido à seca. Nestes dois países, os produtores de azeite começam também a ficar nervosos com as colheitas e têm medo que os resultados sejam iguais ou piores que o ano passado.

“A Coldiretti, a maior confederação de agricultores italianos, estima que dois terços da agricultura italiana sejam afetados [pela seca], representando mais de dois mil milhões de euros de prejuízo no setor”, lê-se na mesma publicação.

Por cá, não existem essas estimativas. Mas, durante o verão, o governo foi elencando algumas medidas, como a antecipação de fundos comunitários ou autorização para os animais pastarem em áreas interditas.

Em Espanha, os agricultores afirmam que esta é a seca mais catastrófica desde 1992. “Nas regiões de Castela e Leão, onde os cereais são o principal alimento a ser cultivado, as perdas devem andar entre os 60 e os 70 por cento. As vinhas e os olivais também estão a ser ameaçados pela falta de água e pelas altas temperaturas previstas para as próximas semanas”, revelou também a “Olive Oil Times”.

Joana Marques Alves e Tatiana Costa