Há cerca de 20 anos li na revista The Economist o obituário de um senhor americano, cujo nome já não me lembro, apologista dos direitos dos animais. Ele também tinha uma gata, que tinha adotado quando ela lhe apareceu à porta, miando a pedir comida, numa gelada noite de Natal. Deu à gata o nome de Snow white (Branca de Neve).
Nas suas campanhas para promover os direitos dos animais, este senhor dava muitas vezes entrevistas à comunicação social. E uma das perguntas que lhe faziam com grande frequência era se ele acreditava se os animais quando morrem vão para o céu.
Era uma pergunta traiçoeira. Por um lado, este senhor era de boas famílias, instruído numa das melhores universidades americanas, pelo que se respondesse “sim” podia incorrer no ridículo junto dos seus pares, por acreditar numa coisa que muitos achavam ser uma patetice. Por outro lado, não podia responder “não”, pois isso iria ofender as dezenas de milhões de americanos que têm fortes sentimentos religiosos. Assim sendo, ele fugia à pergunta, respondendo que nos devíamos concentrar em melhorar a vida dos animais aqui na terra, enquanto eles são vivos. Só descobriram a resposta depois da morte dele. No quintal de sua casa encontraram a sepultura da Snow white com a inscrição “’till we meet again”, isto é, até que nos voltemos a encontrar.
Não sei se existe vida depois da morte. Mas, se existir, acho que faz todo o sentido que eu volte a encontrar a gata que há pouco pedi para eutanasiar. Vida depois da morte sem os amores incondicionais por perto não faz qualquer sentido.
E peço desculpa se vos macei com esta crónica um pouco emotiva. Mas, como escrevi, estou destroçado pela morte da minha companheira dos últimos 13 anos, e escrever ajuda a suportar a dor. Bem hajam.