São três da tarde e no Cais do Sodré há o entra e sai habitual junto ao metro. A maior parte das pessoas são turistas, de mochila às costas, máquina fotográfica ao pescoço, sandálias, calções ou vestidos, confortáveis para passearem por Lisboa com o calor que se faz sentir. E apesar de a época balnear já ter acabado, muitos ainda têm o fato de banho vestido e o guarda-sol na mão para aproveitarem o resto do dia na praia.
Apesar do calor lembrar o verão e convidar a comer um gelado à beira rio, a barraquinha da esquina, que vendia gelados e águas frescas, já mudou o negócio para o fruto de outono: a castanha. Carla Valente de 41 anos ocupa a banca durante todo o ano e, apesar do calor, não quis prolongar a licença dos gelados. Ainda assim, percebeu que tinha de arranjar forma de iludir os fregueses até à banca e manteve um enorme guarda-sol azul para ver se os clientes se aproximam à procura de um refresco e se deixam seduzir pelo cheiro a castanhas.
Ainda assim, o truque não parece estar a ter grande efeito. Se o negócio nos dias mais frios corre de vento em popa, por agora o arranque vai tímido. Só os turistas que nunca provaram e querem conhecer arriscam levar um cartucho quente nas mãos, diz a vendedora.
Ao descer a Rua do Carmo, e já no início da Rua Augusta, está uma barraquinha de gelados que não passa despercebida: tem dois guarda-sóis pintados com um vermelho garrido, abertos no meio do passeio, para dar um pouco de sombra à arca de Luísa Marques que tem 56 anos e já é vendedora há muito tempo.
Normalmente no final dos seis meses de tempo mais quente troca para as castanhas, mas este ano optou por prolongar a venda de gelados até ao final de outubro. “Não me apetece ir para a castanha porque está muito calor”, resume. Além disso, era estar a “sujar as mãos” sem um retorno evidente.
Além dos gelados, o que tem mesmo saída são as águas. Quando há algum cruzeiro que chega a Lisboa, na altura do verão, vende em média 50 a 60 águas por dia e a maior parte da clientela são turistas. Num dia normal, o número de águas fica pelas 20 ou 30 garrafas.
Continuando pela Rua Augusta, surge a barraquinha de Vasco Branco, residente assíduo durante todo o ano. Do assador estão sempre a sair castanhas e o cheiro a fumo perfuma o ar, mas por ali o negócio também está fraco e o calor tem estragado a maior parte do produto. A castanha vem “mais furada”, conta o vendedor, e “com este calor as pessoas não têm tendência a comprar tanto”, explica Vasco. Tal como no Cais Sodré, o que vai safando o negócio são os turistas que optam por experimentar a iguaria que não conhecem.
Vasco também poderia ter prolongado a licença dos gelados, mas nem pôs essa hipótese: as arcas frigoríficas gastam muita electricidade e podia não compensar. “Os gelados dão muita despesa e as castanhas, como é novidade, sempre vão vendendo alguma coisita”, explica.
No meio do fumo da barraca de Vasco está Arlene Pereira. Tem 71 anos e veio passar férias a Portugal. Já não é a primeira vez que visita o país, mas é sem dúvida a primeira vez que está em Lisboa com um tempo tão quente. Brasileira e habituada ao calor, confessa que foi uma supresa o início de outorno que encontrou por cá. Tanto que se enganou a fazer as malas: os calções, vestidos e sandálias ficaram em casa e já teve de ir às compras para sobreviver à Lisboa onde os termómetros continuam perto dos 30 ºC. “Contava que estivesse mais fresco, temperaturas em torno de 23 e 25 graus.”
Se a indumentária ao início estava claramente errada, o desejo de castanhas não foi abalado e não tem grande mistério para quem é de fora: gelados não faltam no Brasil, castanhas assadas é que não se veem. Mas Arlene já tomou uma decisão: para o ano, só volta em maio, para ver se apanha uma brisa mais fresca.
As montras das lojas já estão preparadas para o frio, os manequins já estão vestidos com casacos grossos e botas, mas esta semana a procura por roupa fresca tem aumentado, contaram ao i alguns logistas. Aqui, também são os turistas que vão ajudando o negócio quando procuram a roupa da nova estação, que ainda não resolveu dar o ar da sua graça.
Para quem vive do turismo, a continuação do bom tempo parece ser mais um fator positivo a contribuir para o boom de Lisboa. Para já, ainda não se sente a quebra que é esperada quando o tempo arrefecer, conta Pedro Madeira, condutor de tuk tuk. Tal como as estações têm cada vez menos fronteiras, por estes dias a época alta e a baixa na capital também se confundem.
*Artigo editado por Marta F. Reis