Este verão foi notícia o primeiro pedido de gravidez de substituição autorizado no país, que agora está a ser analisado pela Ordem dos Médicos. Trata-se de uma avó de 49 anos que poderá emprestar o útero à filha, dando à luz o neto. Como vê este primeiro caso?
Evito falar sobre casos concretos e que não conheço. Em abstrato, direi que não é boa medicina aconselhar uma gravidez a uma mulher de 50 anos. Qualquer médico sabe que uma gravidez acima dos 45 tem imensos riscos: diabetes, parto pré-termo, ameaça de aborto.
E do ponto de vista emocional?
Votei a favor desta possibilidade entre familiares próximos há cinco anos. Mas por exemplo entre irmãs: nascendo uma sem útero, que a outra pudesse emprestar o seu. Portanto entre familiares muito próximos da mesma geração e em casos excecionais. Mãe é uma familiar muito próxima, mas não é da mesma geração. O problema aqui é que a avaliação psicológica na legislação atual só é obrigatória antes da gravidez. Durante e após é facultativa. É um erro. Toda a história da gravidez de substituição, em todos os países, é de muitos problemas, de muitas controvérsias. Porque é que até a Índia e a Tailândia acabaram com as barrigas de aluguer para estrangeiros?
Nesse caso porque havia uma exploração das mulheres. Em Portugal a lei não permite pagamentos e destina-se a situações de doença.
Certo, mas mesmo no Reino Unido obriga-se a que pelo menos um dos elementos do casal seja residente no país. A lei que avançou cá permite a barriga de aluguer a não residentes. Como é que isto se controla? Vêm cá, engravidam e desaparecem. E depois?
Vamos ter esse tipo de turismo?
Sem dúvida. Na próxima sexta-feira, no Funchal, vai haver o congresso da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução no Funchal. Um dos temas no programa é turismo reprodutivo. Esta lei é um convite ao turismo reprodutivo, o que é péssima medicina e péssima ética.
Critica pontos onde a lei foi, a seu ver, longe longe de mais, mas condena que não tenha acabado o «obsoleto e censurável» anonimato na doação de óvulos e esperma.
Em 2006 tolerei o anonimato, mas passaram dez anos. Entretanto há um acervo enorme de estudos, entrevistas, publicações que apontam no sentido contrário. Nos países do Norte da Europa foi-se perguntar às crianças se queriam saber como tinham sido geradas, se quereriam saber se têm meios irmãos, se gostariam de conhecer o pai genético, mesmo que isso não tivesse quaisquer consequências legais ou fiscais. E uma esmagadora maioria das crianças disse que sim: queriam ter esse direito, mesmo que não o usassem. No norte da Europa, com exceção da Dinamarca, já se acabou com o anonimato. E a pergunta que se faz é por que é que em Portugal ninguém discute isto?
Leia a entrevista completa a Miguel Oliveira da Silva na edição deste fim de semana do semanário SOL.