O Tribunal Constitucional mandou anular a sessão de segunda-feira do Parlamento catalão, na qual o presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, apresentaria os resultados do referendo de 1 de outubro, antes mesmo da sessão ter sido formalmente convocada. Apesar das várias ofertas de mediação para tentar que governo espanhol e catalão se encontrem e falem sem condições prévias, como referiu à estação de televisão La Sexta o vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras, a verdade é que Mariano Rajoy, presidente do Governo espanhol, para conversar, exige a rendição dos catalães.
E a pressão segue em várias frentes. O responsável pela polícia catalã Josep Lluís Trapero e os dirigentes das associações independentistas Assembleia Nacional Catalã (ANC) e Omnia Cultural foram responder em Madrid no tribunal da Audiência Nacional por acusações de sedição.
Apesar de repetir todos os dias, como um mantra, que a Catalunha continuará a ser parte de Espanha, o governo de Rajoy ultima um decreto que facilite a saída de empresas da região rebelde para outras partes de Espanha. Segundo o vice-presidente catalão, «o governo espanhol pressionou os bancos Sabadell e a Caixa para saírem da Catalunha com métodos que não usam governos democráticos». Métodos à parte, o banco Sabadell já confirmou a saída para Alicante, justificando a «necessidade de defender os seus acionistas e os seus depositantes», perante um cenário de anúncio de Declaração Unilateral de Independência (DIU), e não podendo arriscar ficar fora do euro e do chapéu de chuva do Banco Central Europeu.
Uma decisão que tem dois lados, como sublinha em entrevista ao i, a sair na próxima segunda-feira, o antigo porta-voz da CUP no Parlamento da Catalunha, David Fernàndez. «Se a Caixa e o Sabadell se forem, perdem grande parte dos seus negócios aqui, no caso da Caixa isso significa cerca de 50% da sua faturação», afirmou. Mais do que medidas económicas está-se a assistir a uma segunda volta do referendo de 1 de outubro, em que algumas das grandes empresas catalãs tomam uma posição activa contra uma possível independência, a exemplo do que fizeram as suas congéneres escocesas, nomeadamente o Banco da Escócia, aquando da realização do referendo sobre a eventual independência dessa parte do Reino Unido.
O facto do ministro das Finanças espanhol, Luis de Guindos, elaborar uma lei para facilitar a saída das empresas da Catalunha, em caso de uma Declaração Unilateral de Independência, prova duas coisas: que o governo de Rajoy joga armas pesadas contra os independentistas, ao mesmo tempo que implicitamente admite que uma independência de facto da província não é totalmente impossível. A situação está num verdadeiro impasse. Rajoy só aceita negociar caso a Catalunha desista da ideia de ser independente, e pelo seu lado, a Generalitat quer negociar para acordar com Madrid os termos da realização de uma alteração legal que permita a realização de um referendo com a anuência de todos, a qual possibilite aos catalães decidir os termos da sua relação com Espanha, como cantou a célebre banda britânica Clash: Should I Stay Or Should I Go?.
Apesar de parecer ter os tanques e a força na mão, a atitude de Rajoy nesta crise tem motivado críticas duras da imprensa internacional, com destaque para a influente revista The Economist. «Qualquer acordo [entre os governos catalães e espanhol] tem de incluir a opção de um referendo para a independência», considera a revista. A Economist critica a via repressiva espanhola para resolver o problema, e afirma que a gestão da crise que Rajoy fez, não é mais do que deitar gasolina no fogo. Para a revista britânica, a saída da Catalunha será um mau negócio para todos. A capa da edição desta semana é todo um programa: «Não é demasiado tarde para evitar a rutura com a Espanha», e isso só é possível com diálogo, coisa que Rajoy parece incapaz de fazer. «Para evitar a calamidade, perguntem aos catalães o que querem realmente», avisa o editorial da Economist, que recorda a via eficiente como o Reino Unido resolveu o problema escocês e aconselhando que o governo espanhol promova um referendo e dê a escolher aos catalães «um novo acordo constitucional», que inclua «mais autonomia e poder de criar e recolher mais impostos próprios, mais proteção da língua catalã e um certo reconhecimento dos catalães como nação».
O problema da lógica racional da imprensa internacional é que ela não vive em Espanha e ignora que grande parte das pulsões do conflito têm a «racionalidade» do nacionalismo. Em Espanha quando se fala em nacionalismo é para falar de bascos, catalães e galegos, ignorando o discurso nacionalista hegemónico que é o espanholista. Só assim se percebe que, no dia seguinte à greve geral na Catalunha, o El País tivesse uma foto com um grupo de 31 pessoas nas ruas de Barcelona, quando se manifestaram centenas de milhares de pessoas nesse dia, ou que os jornalistas da TVE da Catalunha tenham feito um comunicado a protestar por terem sido proibidos de filmar e exibir, na emissão da televisão pública, as imagens da repressão policial no dia 1 de outubro que provocou cerca de 900 feridos.
O que impede a resolução do conflito não é só Madrid recear que um referendo pudesse dar uma hipotética vitória aos independentistas, é Mariano Rajoy ter a certeza que o inflamar dos sentimentos nacionalistas espanhóis pode-lhe garantir uma vitória por maioria absoluta, à Erdogan, numas próximas eleições antecipadas em Espanha. Ou os catalães têm a força suficiente – com a ajuda da União Europeia, que entende o potencial economicamente explosivo desta crise – para colocar as duas partes a negociar, ou a acção de Mariano Rajoy será demasiado previsível: evocar o artigo 155 da Constituição que extingue a autonomia, fazê-lo aprovar pelo senado, onde o PP tem maioria, e caso o seu governo seja censurado e derrubado no parlamento, ir para eleições antecipadas. Ficaríamos com um quadro em que Madrid teria maioria absoluta do PP e na Catalunha deixariam de existir eleições e autonomia por muito, muito tempo. Num país da Europa que se ufana da democracia teríamos uma situação de clara repressão a uma comunidade e nação histórica. Naturalmente, isso só seria possível com o tornar a democracia espanhola uma espécie de ditamole e uma farsa, que iriam pagar não só os catalães, mas os espanhóis no seu conjunto.
Neste domingo, os espanholistas saem à rua em Barcelona para tentar contrariar as centenas de milhares de independentistas que têm proclamado que «as ruas serão sempre nossas». Juntam-se na mesma marcha PP, Ciudadanos, extrema-direita e grupos nazis. É mais uma acha para a fogueira.