Castro Verde tem uma grande esplanada no centro da vila, mas a meio da tarde está vazia porque o calor é muito. Os mais velhos preferem os bancos públicos, à sombra, para estar à conversa e matar o tempo. Carlos Silva tinha 40 anos quando, em 1976, os comunistas ganharam a câmara pela primeira vez.
Aos 82 anos, após 41 anos de poder comunista, este castrense descansa com mais dois amigos num banco de jardim e não parece muito surpreendido com a vitória do PS naquele concelho pela primeira vez. «O Partido Comunista… Uns morreram, outros ficaram doentes. Os jovens já têm outra maneira de pensar».
Ao balcão de um café ainda se fazem contas aos resultados do último domingo. «A malta que votou na CDU há quatro anos foi votar no PS». As contas são simples. Os socialistas tiveram mais 540 votos e 50,8% e a CDU perdeu 533 com cerca de 42%. O suficiente para ser agora o PS a governar com maioria absoluta num concelho em que o PSD é quase irrelevante com menos de 100 votos e 2,5%. O mesmo número de pessoas que optaram por votar em branco.
Francisco Duarte, que liderou a autarquia nos últimos dois mandatos, não esconde que ficou «desiludido». As razões que encontra para a derrota são várias. Desde a menor atenção prestada aos espaços públicos até à perda de memória do eleitorado. «As pessoas já não têm memória de que apenas a sede de concelho tinha eletricidade».
Salários altos, bons carros e um espírito de novo-riquismo
A verdade é que, desde o 25 de Abril, Castro Verde mudou muito e hoje é um dos concelhos do país com os salários mais altos, logo a seguir a Sines e Oeiras. Os munícipes deste concelho alentejano ganham, em média, 1.605 euros, principalmente devido ao peso no concelho da Mina de Neves-Corvo que fez disparar o número de habitantes quando se instalou naquela região.
Esta realidade sente-se nas ruas de Castro Verde em que circulam carros de gama alta que não estão ao alcance de qualquer carteira. Francisco Duarte, que vai reformar-se e ocupar o lugar de vereador da oposição, admite que a situação pode ter pesado na hora de votar. «Há um espírito de novo-riquismo. Há características de um novo-riquismo muito grande e isso tem implicações».
O presidente que não gosta de dar ‘beijinhos’
O povo nas ruas encontra outras razões para a derrota da CDU. A mais consensual é que desde a saída de Fernando Sousa Caeiros, que liderou a câmara desde as primeiras eleições autárquicas a seguir ao 25 de Abril até 2008, que a gestão CDU foi perdendo energia e empatia com o eleitorado. «Eles só conseguiram ganhar porque o Fernando Sousa Caeiros passou isto para as mãos deste homem. Se ele pensar em voltar a CDU vai continuar a ganhar», diz Emídio José Lameira, simpatizante do PCP. Fernando Arsénio confirma esta tese: «se calhar as pessoas já estavam saturadas e quiseram dar uma oportunidade aos outros. Se fosse o outro votava nele, apesar de não ser da minha cor política».
O «outro» é Fernando Caeiros, que ganhou a autarquia pela primeira vez com apenas 22 anos e foi o presidente de câmara mais novo do país. Caeiros, que militou no MDP/CDE, tinha outra ligação à terra e outra relação com o eleitorado. Mais próxima. «Este não me fez mal nenhum, mas via-se que não tinha perfil», acrescenta Fernando Arsénio, ao balcão do Núcleo do Sporting Clube de Portugal de Castro Verde. Carlos Silva também admite que «as pessoas gostavam muito do outro», embora «talvez o pessoal estivesse já um bocado farto e existisse já algum descontentamento» com a gestão autárquica da CDU.
Ao atual presidente da câmara não falta quem aponte o dedo por governar distante das pessoas. Francisco Duarte admite que a simpatia não é o seu forte. «Toda a gente que me conhece sabe que dou poucos beijinhos». Há também razões que escapam às análises políticas nacionais como os problemas com o abastecimento de água. Os equipamentos têm quase tantos anos como aqueles que os comunistas estão no poder e não é raro a população ter água com uma cor amarelada. «Há muitos cortes», garantem os habitantes. «A rede de águas sofreu as consequências do crescimento da população e está no fim de vida. Remodelar uma rede de água não é abrir um buraco e pôr um cano», justifica o presidente da câmara.
‘Não dou opinião. De política é que não percebo nada’
Castro Verde tem pouco mais de seis mil eleitores e mais de 60% participaram nas eleições do último domingo. António José Brito ficará para a história da terra como tendo sido o primeiro socialista a conquistar a câmara.
O ex-jornalista já se tinha candidatado em 2013 e foi vereador da oposição nos últimos quatro anos. Ao Correio Alentejo, jornal do qual já foi diretor, o novo presidente da câmara admite que a sua vitória resulta «certamente de uma manifestação de descontentamento» com a gestão dos comunistas. Brito não poupou a CDU que acusou de alimentar «o clientelismo e os favores políticos» e de ter aumentado a dívida sem fazer obra.
Sónia Galamba esteve entre os que o apoiaram e fez parte das listas à Junta de Freguesia de Castro Verde e Casével. Admite que o ex-presidente Francisco Caeiros «fez muito pela terra», mas este executivo da CDU «não conseguiu gerir tão bem a situação». Sónia Galamba acredita nas capacidades do novo presidente: «Faz bem esta mudança. Se daqui a quatro anos as pessoas não estiverem satisfeitas podem votar ao contrário».
No Alentejo, região onde os comunistas sempre tiveram força, a CDU não perdeu só Castro Verde. Beja, Barrancos, Alandroal e Moura também passaram para as mãos dos socialistas. Não é pouco para um partido que viabilizou, pela primeira vez, um governo do PS. Opovo de Castro Verde não acredita, porém, que a culpa seja da ‘geringonça’. «O que contou muito foi a pessoa».
O povo de Castro Verde é simpático e afável, mas quando a conversa chega à política local não se alarga muito em conversa. «Desde segunda-feira que as pessoas parecem respirar outro ar, mas não ponha isso», diz um habitante. «Não vou agora dar-lhe opinião, porque de política é que eu não percebo», diz outro. A população fica agora à espera de saber e «o PS vai cumprir as muitas promessas que fez».