Quando apareceu em frente aos jornalistas, esta semana, para fazer o balanço das eleições autárquicas e mandar a fatura do péssimo resultado ao Partido Socialista, Jerónimo de Sousa estava com ar de poucos amigos e longe daquele sorriso quando anda em campanha eleitoral demonstrando os seus dotes de jogador de matraquilhos. Jerónimo tinha expresso no rosto o sabor da derrota e como não é de ficar a carpir mágoas tratou de dizer ao que vinha. Em vez de eleger os seus inimigos tradicionais, a direita que representa o capitalismo que oprime a classe operária, o velho camarada apontou baterias para o governo minoritário, como sublinhou. O PS é, para Jerónimo, o grande culpado da maior derrota comunista em eleições autárquicas desde 1976 e, por isso, o casamento da geringonça terá de ser revisto. Afinal, diz o secretário-geral do PCP, o PS não ganhou as eleições nacionais, aquelas em que se elegem os deputados para o Parlamento, mas sim as locais – por coincidência o lugar onde os comunistas mandavam em boa parte do Alentejo e na cintura à volta de Lisboa.
Antes das ditas eleições muitos foram os textos que davam conta da preocupação de o primeiro-ministro em não atacar os bastiões comunistas, evitando até grandes manifestações nessas cidades. À primeira vista até se pode pensar que Costa quis dar essa ideia e que pensava genuinamente assim, basta olhar para a sua candidata de Almada para se acreditar nessa tese. Mas António Costa é muito mais astuto do que a maioria dos seus adversários, amigos e inimigos pensa. O primeiro-ministro é muito mais maquiavélico, politicamente falando, do que qualquer outro ator da política. Mexe mais com os cordelinhos atrás do palco de que qualquer outro. O problema é que o camarada Jerónimo se sentiu enganado e já prometeu ‘vingar-se’ dessa traição. Que é como quem diz, lançar os sindicatos para a rua se Costa não ceder às pretensões do PCP. Repare-se que Jerónimo ficou zangado logo no domingo quando avisou os eleitores de que se irão arrepender de ter ‘corrido’ com o PCP das câmaras históricas. O líder comunista mais não fez do que recuperar o discurso de Álvaro Cunhal na noite de 25 de Abril de 1975 depois de ter levado uma ‘tareia’ nas primeiras eleições constituintes. Na Gulbenkian, onde Cunhal demonstrou a sua desilusão, o líder comunista afirmou que o ‘o povo português ainda se iria arrepender de não ter votado nos comunistas’. Mudam-se os tempos mas não mudam os discursos.