A cada realizador o seu cinema. E Leonel Vieira sabe bem o lugar que quer que ocupe o seu. Percebeu-o depois de “A Sombra dos Abutres”, seu primeiro filme, filme que pariu – palavra sua – depois de “Zona J”, que veio a seguir. “Antes de chegarmos ao final, ao filme, temos que fazer muita coisa. Ou isto vai cair sempre.” E fazer, para si, é criar público. “Uma casa começa-se pelos alicerces”, sustenta. “Neste país anda tudo no seu egoísmo, a pensar no seu filmezinho. Eu estou preocupado com o país, com termos que ter um público para cinema. Não acho que ele tenha culpa, o público. Acho que ele reage.” Reagiu a “O Pátio das Cantigas”, filme português mais visto de sempre, com mais de 600 mil espectadores, de onde Leonel Vieira partiu para um projeto ainda mais ambicioso: “Alguém Como Eu”. Uma coprodução de 1,7 milhões de euros entre Portugal e o Brasil, onde já tem entrada em 200 salas e nos canais Telecine, da Globo.
Como é que surgiu este filme, em coprodução com o Brasil?
Surgiu de uma vontade que eu e os irmãos Gullane, da Gulan, da Gullane Entretenimento, de São Paulo, tivemos num encontro no Festival de Cinema em Berlim, em que pensámos fazer alguma coisa em cojunto. Acabámos por decidir fazer um filme, mas fazer um filme que funcione nas salas de cinema. Parece que estou a dizer uma coisa comum, “um filme que funcione”. Não, muitas vezes os filmes não se fazem assim. As pessoas pensam num filme e pensam no filme para o seu país.
Ou num filme que têm na cabeça.
Ou um filme que têm na cabeça, ponto. Querem contar uma história, independentemente de se ela depois vai funcionar ou não nos mercados, não estão preocupados. Neste filme decidimos que tínhamos que contar uma história que funcionasse nos dois mercados. E o que pensámos foi que para fazer um filme que funcionasse nos dois mercados não íamos fazer um drama, não íamos contar nada histórico num filme entre dois países. Íamos fazer uma comédia romântica, uma história de amor entre os dois países. E ficou assim. Saímos de Berlim e fomos pensar na história. Peguei nos guiões que tinha – tenho sempre alguns guiões, alguns livros, alumas histórias – e peguei neste, que tinha aqui já há uns quatro ou cinco anos, e pensei que se calhar havia uma hipótese de fazermos uma adaptação. Eles também estavam a pensar só que quando lhes enviei este guião eles gostaram, acharam que era uma boa história para podermos fazer isto. De uma mulher que está desiludida com o amor.
Sim, é uma história que funciona em qualquer parte do mundo.
Exatamente. Uma mulher que está desiludida com o amor e que quer mudar de vida radicamente.
Esse guião original era já da autoria do Pedro Varela [um dos argumentistas]?
Sim, depois trabalhado conjuntamente com a Adriana Falcão e a Tatiana Maciel. Achámos que era importante entrar uma voz feminina e um olhar brasileiro para que o filme tivesse uma identidade claríssima brasileira, para que os brasileiros não achassem o filme estranho e começámos a trabalhar.
Esse contributo está bem claro numa série de detalhes.
Nos detalhes de personalidade da cultura brasileira, na maneira de falar… Trabalhámos o guião praticamente até ao momento de filmar. Quando estávamos quase a filmar fechei-me três dias com uma das guionistas e a reescrevê-lo todo, a mexer coisas. E na filmagem também estávamos sempre a alterar coisas. Foi um guião muito trabalhado e tivemos muito cuidado em transformá-lo em algo que fosse orgânico. Tanto que a voz off, por exemplo, não é escrita por nenhum dos guionistas, mas por uma escritora que convidámos, porque achámos que a voz off do guião não servia para nada. Tínhamos que pensar muito bem no que era a história que tínhamos ali contado e no que fazia sentido que fosse a voz off. Acabámos de a escrever há uns quinze dias. Foi escrito, reescrito, montado, gravado, fizemos testes de gravação com a voz, foi um trabalho muito cuidado. O desafio deste filme era ser um financiamento a 50-50, cada produtora tinha que financiar metade do filme, que é uma coisa que raramente acontece.
Que não é fácil numa produção desta dimensão.
Se o filme é uma produção minha é normal que tenha que o financiar, o que é difícil é conseguir-se que uma empresa brasileira ponha 50% num filme de um realizador português. Mas fizemos. Levou dois anos, mas conseguimos o financiamento para as condições todas de produção de que precisávamos e depois foi o trabalho de produção. Este filme levou literalmente 12 meses e foi talvez dos meus filmes que mais trabalho deu na pós-produção. O acabamento foi todo feito no Brasil, em São Paulo, e tivemos muito cuidado com a montagem. Na montagem reescrevemos toda a história do filme.
A história que estava no guião era muito diferente desta?
Não, também não é isso, mas de facto cada vez tenho mais noção de que os filmes se fazem na montagem. A gente trabalha-os ao longo de vários processos, mas os filmes fazem-se na montagem.
O que o levou a essa conclusão?
Porque é ali que a gente escolhe cada palavra que fica dentro ou que fica de fora. Ali é que a gente escolhe a justaposição. É como se tivéssemos uma caixa cheia de palavras, de letras, de ideias, mas é naquele momento que a gente escolhe a ordem. A ordem é tudo. Se mudamos uma cena de lugar, se mudamos a ordem de um diálogo, se a pergunta começar antes da resposta, se se responde sem a pergunta, todo o sentido muda.
Esta aposta numa produção desta dimensão pensada desde o início para os dois mercados vem de uma crença de que o crescimento para o grande mercado de língua portuguesa que é o Brasil é o caminho que falta ao cinema português – falo neste cinema para massas, que pretende encher salas – para poder crescer?
Não acho que o cinema português tenha só uma solução ou uma cura ou um caminho. Acho que o cinema português precisa de muitas coisas para se tornar maior, mais forte. Ele tem vários problemas, como todos sabemos: não entra no mercado internacional, não entra no mercado nacional. Sabe qual é a quota de ecrã do nosso cinema no mercado português? É abaixo dos 2%. A média europeia de público a ver cinema da própria nacionalidade nunca desce dos 13%. Com a minha trilogia [”Os Novos Clássicos Portugueses”, com remakes de “O Pátio das Cantigas” (2015), “O Leão da Estrela” (2015) e” A Canção de Lisboa” (2016)] passámos a quota para quase 7%. É um dado histórico mas mesmo assim muito abaixo do que a Europa tem. Precisamos de conquistar público português e precisamos de conquistar público internacional e uma das formas de conquistar público internacional é ir para onde se fala língua portuguesa – o Brasil. O que é que é o Brasil?
Um gigante.
Um gigante e um dos maiores gigantes a consumir televisão e cinema. Tivemos isso aqui ao nosso lado toda a vida, nunca entendi por que é que os portugueses não tentam vender filmes no Brasil. Séries, seja o que for. Não entendo.
E a sua história com o Brasil não vem de agora.
Apaixonei-me pelo Brasil quando fiz lá um filme em 2001, “A Selva”. Estou sempre a produzir e a coproduzir lá, é uma relação diária, mas porque decidi que queria entrar naquele mercado. E nos mercados só se entra trabalhando. Insistindo, fazendo trabalho no dia-a-dia. O que este filme tem de vantagem é que conseguiu que o mercado de comercialização o aceitasse. Não se entra num mercado se os agentes que comercializam não aceitarem. Não é dizer “estou cá, quero entrar”, toda a gente quer entrar. O mérito que este projeto enquanto ideia estratégica tem é que conseguiu romper essa barreira dos agentes de comercialização. Tem sócios que são os maiores distribuidores em Portugal e no Brasil, onde a produtora é a Gullane mas a Paris Filmes entra com duas empresas no projeto – a Paris Filmes é a distribuidora mas a Paris Entretenimento também entrou com financiamento – e os canais Telecine, que são os maiores canais de cinema da América Latina são também coprodutores, o que significa que o filme já tem uma garantia de comercialização nos dois maiores agentes de vendas no Brasil: os canais de televisão que passam só cinema, todo o cinema americano e o cinema brasileiro, e nas salas de cinema o maior distribuidor do Brasil, que nos vai ajudar a comercializá-lo nas salas. Isso já é o mérito deste projeto e é importante que este filme corra bem porque é o início de um caminho.
O tal caminho ainda por fazer.
Salazar não estava preocupado com que o cinema português viajasse, mas acho que depois de 1974 todos os movimentos de cineastas gostariam que o cinema português entrasse naquele grande continente que fala português. Só que quase ninguém faz esse esforço, deixa-se o cinema à mercê do mercado do festivais. Não é pelo mercado dos festivais que se entra lá.
São duas realidades distintas.
Os festivais são um mercado em si, para os filmes que não conseguem viajar de outra forma e que viajam entre festivais. Mas esse mercado é pequeno, é de nicho. Nesse o cinema português sempre esteve.
Desde Manoel de Oliveira. E nesse sentido o maior desafio do cinema português está no cinema comercial, aceitando que existe de facto essa divisão entre cinema comercial e cinema de autor.
Isso não se deve pôr assim. O que são o “Amores Perros” [Alejandro Iñárritu] ou o “Tropa de Elite” [José Padilha]?
Lá está, a velha discussão.
O “Tropa de Elite” ganhou um Urso de Ouro em Berlim. Nós nunca ganhámos um Urso de Ouro em Berlim. Nem nenhuma Palma de Ouro de melhor filme. Se o “Tropa de Elite” ganha um Urso de Ouro em Berlim é porque é um filme de festival, mas também é um filme que depois fez um enorme sucesso de bilheteira.
E isso é o que o cinema português nunca teve. O mais próximo disso será o cinema do Marco Martins, o único realizador que entra com esses a que o Leonel chama de filmes de festivais [“Alice” (2005) e “São Jorge” (2016)] no ranking dos 40 filmes portugueses mais vistos nos últimos anos [encabeçado por “O Pátio das Cantigas”, “O Crime do Padre Amaro” e “Sete Pecados Rurais”].
Mas não são filmes de público, estou a falar de líderes de audiências.
Não disse que foram, disse que eram os únicos filmes de um realizador português estreados em grandes festivais que estão também nessa lista.
Mas não se trata do mais próximo. O “Tropa de Elite” é um blockbuster, o “Amores Perros”, um filme premiadíssimo, é um filme brutal em termos de espectadores no México e no mundo inteiro.
Já para não falar no caminho que fez Iñarritu depois disso, até aos Óscares.
Nós não temos ninguém assim. Não há nenhum filme de que se diga que ganhou um prémio e depois fez mais de 100 mil espectadores.
Não, neste caso foram 40 mil.
E nesse caso também não é justo deixarmos de fora os que fizeram 20 ou 30 mil. Não, isso não é um êxito, isso é dizer que para um filme de festival até fez bem. Não é disso que estou a falar. Estou a falar de um “Relatos Selvagens” [2014], da Argentina, premiadíssimo e candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. É disso que falo. Nós não temos esse cinema e ninguém quer meter isso na cabeça. E quando um filme tem essas duas coisas pergunto-me como é que se define: comercial ou de autor?
Daí a ressalva que eu fazia na pergunta em relação a essa divisão.
São filmes bons. Um filme bom consegue estar em tudo. O que não podemos é estigmatizar um público. E agora pergunto-lhe: acha mais fácil fazer uma plateia com filmes pessoais, intimistas, ou com filmes abertos? Com o que é que acha que é mais fácil construirmos um público?
A história do “Alguém Como Eu” podia ser contada também num filme muito pessoal.
Podia ser um drama, tanto que o dirigi de uma forma menos cómica. Nós é que decidimos que queríamos que fosse uma comédia romântica.
Comédia com alguma conta, peso e medida.
E com cuidado com a psicologia das personagens. A forma como ela [Helena, interpretada por Paolla Oliveira] vê não é do domínio da magia ou do além. É só o olhar dela, é só uma psicose. O ser humano tem isto, esta capacidade de ver o que quer quando quer.
Por isso foi à procura de um registo mais realista?
Para que seja psicológico, não tontice. Era preciso que as pessoas se agarrassem à história e que se identificassem, e para isso tinha que ser muito próximo do real. Mesmo os atores, tentei contê-los na direção. Queria um filme mais emocional, menos de gargalhada. Isto é um filme de grande conquista do público feminino. Queria uma comédia romântica que no final tivesse alguma mensagem. E que fosse um filme bonito, sofisticado, com um cuidado que o retirasse de um cinema pobre, barato, rápido.
Que orçamento tiveram?
Mais de 1,7 milhões de euros. Mais do dobro do que os filmes portugueses contemporâneos estão a custar.
A caminho do triplo, o que seria impossível sem que fosse em coprodução com o Brasil.
Mas talvez por isso conseguimos também a distribuição em 200 salas no Brasil. Sair com 200 cópias… é um blockbuster.
Assim está a promovê-lo, como “o primeiro blockbuster de língua portuguesa”.
E é. É o primeiro filme que se lança nos dois maiores mercados de língua portuguesa com este número de cópias. Os brasileiros fazem-no lá mas não fazem em Portugal. E eu já o faço cá. O maior lançamento de cópias de um filme português, com mais de 80 cópias, é “O Pátio das Cantigas”.
Vê de facto aqui o início de um novo caminho para o cinema português?
Este projeto resulta da minha tentativa sistemática de abrir um mercado conjunto. Os brasileiros fizeram-no com a televisão, entraram cá e estão instaladíssimos. Nós nunca o fizemos. Com o cinema não conseguimos, mas eles também não conseguiram aqui. E eu que ando no Brasil há tantos anos meti na cabeça: “Por que não?” Temos a quinta língua mais falada do mundo, com as plataformas digitais somos uma potência. Temos é que fazer isto.
Mas continuamos a ver pouco cinema. Não só português, todo.
E acha que a culpa é dos espectadores ou dos filmes? A mim ensinaram-me uma coisa na Escola de Cinema, em Madrid: quando não veem os nossos filmes, a culpa é nossa. Não é dos outros.
Ou porque fazemos mal ou porque o que fazemos interessa a um nicho.
Enquanto não tirarmos essa ilação, de todo o nosso cinema de 40 anos não vai acontecer nada. Se estamos há 40 anos a repetir o mesmo resultado, ou assumimos que o resultado é o que queremos e que estamos a fazer muito bem… Eu não acho que estejamos bem e, como eu, há mais gente a pensar que não estamos bem. Qualquer cinematografia que investe dinheiro luta por quatro festivais, só estes é que valem dinheiro: Cannes, Berlim, Veneza e Toronto. O que é um grande prémio? É um prémio de melhor filme ou de melhor realizador. Ou então ter uma nomeação pela Academia para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 40 anos não tivemos nenhuma. Todas as cinematografias de que eu gosto, que admiro, têm. Os brasileiros têm. Nós investimos milhões ao longo de 40 anos e não temos mais do que um Leão de Ouro ex-aequo do César Monteiro e uma Palma de Ouro à carreira [para Manoel de Oliveira].
Mas temos outros prémios.
Cada festival tem dezenas de prémios, isso não é ganhar. E não se investem milhões de dinheiros públicos para prémios que depois não trazem grande consequência para a mudança de uma cinematografia, essa é que é a verdade. Para que um filme seja adquirido por uma grande empresa internacional, para ser vendido para o mundo inteiro com uma distribuição à séria, tem que ganhar isto. Se ganhar isto, uma Sony compra o filme e coloca-o em salas de todo o mundo. Então, entendo que temos que lutar pelos festivais mas temos que analisar os resultados.
Quer com isso dizer que os apoios do ICA têm sido atribuídos aos filmes errados?
Jamais me ouvirá dizer uma frase dessas. Acho é que convém que as pessoas que estão nesta estrutura façam uma reflexão. E que de uma vez por todas ou digam que estamos num bom caminho e que fizemos tudo bem ou que os nossos resultados continuam muito parecidos, que são. Presença em festivais temos há muitos anos. Agora, é só isso que queremos?
Mas qual é o objetivo do Leonel então com o trabalho que tem feito?
É criar um público. Uma casa começa-se pelos alicerces. Neste país anda tudo no seu egoísmo, a pensar no seu filmezinho. Eu estou preocupado com o país. Com termos que ter um público para cinema. Não acho que ele tenha culpa o público, acho que reage.
É isso que o faz apostar em várias frentes, sobretudo como produtor? Na televisão, por exemplo, as apostas da Stopline são apostas mais arriscadas nesse sentido de procurar uma resposta do público do que no cinema.
Porque em relação à televisão penso exatamente o contrário. Na televisão já temos um público. As coisas pensam-se e eu não gosto de decidir. Eu penso antes de decidir. Na televisão já alguém fez este trabalho. Já criámos um público, já dominamos o primetime em português, e o que acho é que temos agora que dar o segundo passo: melhorar o tipo de produto que damos a esse público. Quando o primetime das bilheteiras for em português, aí só faço filmes que vão custar um bocado a digerir. Quando tiver 10 ou 15% de quota de mercado, aí dou-lhes uns dramas de que não sei se vão gostar ou não. Mas vou fazê-los. É necessário fazê-los.
Que filmes faria nesse cenário?
Os meus próximos dois filmes. Depois de “A Sombra dos Abutres”, que é um filme que quis fazer, que pari, sem pensamentos colaterais, sem pensar no público, na distribuição, e da “Zona J”, comecei a perceber o mercado. E emendei a mão, percebi em que país estava e que a estrutura do cinema estava muito mal, muito frágil. Antes de chegarmos ao final, ao filme, temos que fazer muita coisa. Ou isto vai cair sempre.
Os filmes que tem feito são então passos para chegar a outro lugar?
Dentro da minha empresa e do que posso, pensei e defini estratégias. No meio da crise no Brasil ninguém queria ir e eu não saí de lá. Eu tenho uma estratégia. Isto não é oportunismo, é uma visão de futuro. Quero acreditar que tenho uma visão de futuro para o cinema português. O resultado não vem num ano, mas vai acontecer. E está a acontecer.
Mas essa questão do público de que fala não tem a ver só com o cinema português. A última “Guerra das Estrelas”, por exemplo teve 175 mil espectadores em Portugal.
Temos que compreender sempre a conjuntura. Saímos de uma crise atroz e estamos a crescer há dois anos na venda de bilhetes. Analisando os factos do momento, não há só coisas negativas. . Olho para isto e penso: neste momento temos A, quero chegar a B e decente pensar que daqui a cinco anos podemos estar em C. Olho para o mercado que há e penso que se continuar a correr bem este público vai crescer. A tendência natural é que caminhemos para uma sociedade global. Culturalmente estamos todos muito mais próximos e é esse o caminho. E “O Pátio das Cantigas” abriu-me uma série de portas internacionais, não só cá. Não é só com prémios que se chega lá, os senhores que investem nisto também estão muito atentos.
Mas falava há pouco nos filmes que ganham prémios e que fazem público como a resposta para a mudança.
O meu objetivo é parecido ao da política argentina para o Cinema. Estudei em Madrid, sou de cultura hispânica, sou muito influenciado pelo cinema espanhol e pelos próximos do cinema espanhol. E gosto muito do cinema espanhol mas adoro o cinema argentino, que sempre vi como uma grande escola. Gosto daquela medida porque eles trabalham com uma sabedoria com que acho que um país pequeno como o nosso poderia trabalhar. Nunca fazem um filme a pensar só nos festivais. Há dezenas de anos que fazem filmes a pensar no público mas trabalham-nos com muita qualidade artística e pensamento. Uma linguagem universal mas de uma forma muito pessoal. Há dois anos a Argentina introduziu a disciplina de Cinema em todos os liceus. Cinema. As pessoas vão estudar todas Cinema. Isso é que é ser progressista, isso é que é pensar no futuro, isso é que é pôr gente a consumir. Sem complexos. Enquanto quiserem fazer do Cinema um gueto, que acho que é o que quiseram fazer no nosso país…
Onde quer chegar com isso?
Com uma coisa para um pequeno círculo. Ao cinema português falta ousadia e falta descomplexar isto tudo. O Cinema é uma coisa abrangente. Temos que ter um cinema mais pessoal, mais intimista, temos. Não temos que ter só esse. E quem me conseguir contrariar nisto que me explique. Não acho que se tenha que confinar o cinema português a um gueto. E eu, enquanto andar por aqui, vou fazer o que posso.
Tudo isso que critica vem do que tem sido a política de sucessivos governos para o Cinema?
Vem da falta de política, do abandono. Nunca houve uma verdadeira vontade política para o Cinema em Portugal.