José Sócrates recorreu ao filho de Vítor Constâncio, João Constâncio, professor de Filosofia na Universidade Nova, para obter informação antecipada relativamente ao teste de stresse a que o BCE submeteu o Millennium/BCP (assim como a generalidade da banca europeia) em 2014, numa altura em que corria o rumor de que o maior banco privado português poderia chumbar nessa avaliação, tendo de apresentar imediatamente um plano de capitalização.
A informação consta dos autos da Operação Marquês, para os quais foi ouvido João Constâncio, no sentido de explicar a razão do contacto com Sócrates, ocorrido em outubro de 2014, escassos dias antes de o BCE publicar os resultados dos testes de stresse à banca europeia. O ex-primeiro-ministro ligara de noite ao filho do vice-governador do BCE, em tom de aflição, dizendo-lhe que queria falar com ele a título pessoal, deslocando-se logo a seguir para um encontro urgente na rua onde Constâncio morava.
Corria a informação de que o Millennium/BCP iria chumbar nos testes, que avaliam a qualidade dos bancos, e Sócrates (a pedido de alguém que não chegou a nomear) pretendia, a esse respeito, contactar com Vítor Constâncio ou enviar-lhe uma mensagem através do filho, já que se dizia que o resultado da avaliação estava nas mãos do nº 2 do BCE.
Relatou João Constâncio aos investigadores: «Havia um rumor muito idiota e desagradável que eu ouvi não só da parte dele mas de outras pessoas que era o seguinte: o BCP iria chumbar nos stress tests, e achavam que o BCP chumbar ou não chumbar dependia de um capricho do meu pai, que é vice-presente do BCE. Portanto, no fundo, havia um conjunto de pessoas que acusavam o meu pai de não querer safar o BCP, de não sei quê. Gostava que nada disso ficasse no processo. O que eu lhe disse foi: “Olhe, o meu pai é uma pessoa pela qual eu ponho as mãos no fogo em absoluto, em todas as matérias.” […] Porque fui educado assim a dizer: “Nunca poderão esperar nada fora da lei da parte do meu pai. Ele aplicará as regras que existem e não vale a pena estarem a falar e a pedir, pronto.” […] E, portanto, faria sempre o melhor para Portugal dentro das regras que está obrigado a aplicar. Nunca mais houve nada, do meu ponto de vista, para além disso.»
Contudo, perante a insistência de Sócrates, João Constâncio deu-lhe o endereço de e-mail do pai no BCE, desconhecendo o Ministério Público se o ex-primeiro-ministro terá chegado a escrever a Vítor Constâncio.
João Constâncio frequentava tertúlia de Sócrates
João Constâncio tinha-se aproximado politicamente de Sócrates e participava com regularidade numa tertúlia semanal que o antigo líder socialista organizava com amigos e conselheiros seus, como o eurodeputado Pedro Silva Pereira, o atual ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva, e o deputado João Galamba, porta-voz do PS na Assembleia da República. O grupo reunia-se no restaurante Tertúlia do Paço, em Lisboa, para aconselhar Sócrates nas intervenções dominicais que então fazia no Telejornal da RTP1, sendo as contas das refeições pagas depois por Carlos Santos Silva, o amigo do ex-líder socialista que o MP acusa de manter em contas bancárias por si tituladas as dezenas de milhões de euros que o antigo primeiro-ministro é acusado de ter recebido como “luvas” para pagamento de certas decisões tomadas no âmbito do exercício do cargo. Só num ano, a conta dessas refeições ascendeu a 20 mil euros.