Infelizmente, Costa pode ter razão

No domingo à noite, António Costa avisou que desastres como o desse mesmo domingo, dia em que se verificaram no país 524 ignições, das quais resultaram incêndios devastadores que provocaram a perda de 41 vidas humanas, serão cada vez mais frequentes. Fez depois, na segunda-feira, um discurso que o deputado do PSD José Eduardo Martins,…

No domingo à noite, António Costa avisou que desastres como o desse mesmo domingo, dia em que se verificaram no país 524 ignições, das quais resultaram incêndios devastadores que provocaram a perda de 41 vidas humanas, serão cada vez mais frequentes. Fez depois, na segunda-feira, um discurso que o deputado do PSD José Eduardo Martins, falando na terça-feira à noite na televisão, classificou como “desalmado”, e que contrasta com a afetividade demonstrada, em visita às populações atingidas pelo infortúnio, por Marcelo Rebelo de Sousa. Infelizmente, e questões de forma à parte, penso que o primeiro ministro pode ter razão no que diz respeito à questão de fundo: dias infernais como o de domingo tendem a tornar-se cada vez mais frequentes.

A questão principal é o aquecimento global, indiscutível entre a comunidade científica, e negado apenas por alguns idiotas como o presidente Trump. Tenho idade suficiente para me lembrar do tempo em que no início de outubro já fazia fresco, e em alguns dias chovia copiosamente, uma altura em que não se ia para a praia. O contraste com esta primeira metade de outubro não podia ser mais evidente.

A segunda razão, que não vi qualquer especialista em incêndios mencionar (talvez por distração minha) é a dispersão do povoamento em Portugal. Esta é por demais evidente quando se viaja de avião: enquanto que em Espanha as casas estão agrupadas em aldeias ou em vilas, sobrevando Portugal nota-se que as casas estão dispersas ao Deus-dará. Aqui, qualquer pedaço de tereno serve para construir uma moradia ou um prédio, por vezes a curta distância de uma zona industrial. Esta dispersão do povoamento, culpa das câmaras municipais que, de norte a sul, emitem licenças de construção com pouco critério, torna impossível que os bombeiros, no caso de grandes incêndios, respondam eficazmente a todos os pedidos de ajuda.

Não significa isto que eu esteja conformado com as 65 mortes de Pedrogão Grande, nem com as 41 resultantes dos incêndios de domingo. Estou ainda em choque, perguntando-me “como foi possível”, e escrevendo este artigo para tentar encontrar respostas. Não prestar atenção a estes dois fatores que mencionei – para não ignorar outros, mais pontuais, como a patente falta de meios no combate às chamas, resultando na falta de bom senso na definição de estratégias de combate aos incêndios, aliada aos momentos de pura desorientação por parte dos operacionais nos diversos terrenos – seria quase criminoso.

Não quero voltar a escrever sobre tantas mortes. Infelizmente, como fica demonstrado pelos acontecimentos da semana passada nos poderosos Estados Unidos, concretamente na afluente e vanguardista Califórnia, tragédias em incêndios não são um exclusivo português. O que não significa que devamos ignorar o que correu mal nestes dias horríveis, e tentemos melhorar. Deixo aqui o meu humilde contributo. E acabo expressando a minha solidariedade às vítimas, às que sobreviveram, mas também o meu pesar por todos os que morreram. Seguramente, as vossas mortes não serão em vão.