«Todo o poder é uma conspiração permanente».
Honoré de Balzac
Desde a noite do dia 1 de outubro, em consequência das eleições autárquicas, o país político e o país não político ficaram a saber que o PSD iria ter de mudar de vida, a vários níveis.
A saber: liderança, estratégia e, muito provavelmente a curto e médio prazo, prioridades internas e externas – que, no seu conjunto, implicam um novo ciclo político que permita a este partido político reganhar a confiança dos portugueses.
Ao contrário do esperado, o presidente do PSD e ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho (por coincidência, um dos militantes que consecutivamente exerceram funções de liderança durante mais anos), decidiu não se recandidatar à liderança, invocando razões de ordem política derivadas dos resultados eleitorais.
Desde esse anúncio, propositadamente, muitos de nós temos procurado não intervir no espaço público e mediático. Por várias razões – e por respeito a essa decisão. E por entendermos que é útil, para o país e para o PSD, não haver precipitações.
É importante não matar um debate que se impõe como urgente: saber o que, afinal, correu mal. Saber por que razão o PSD se divorciou tanto do país real, depois de — com grande esforço e impopularidade — ter salvo Portugal e os portugueses da bancarrota. Contrariando o vaticínio do PS e dos seus atuais parceiros de Governo, que apostavam num segundo resgate e (quase) numa saída do euro, com as consequências negativas que daí adviriam para o país nos planos político, social e económico.
Desde que Pedro Passos Coelho anunciou a sua não recandidatura ao PSD, o que temos tido, apesar do nosso silêncio atento? Algumas coisas que nos devem fazer refletir.
Desde logo, com pouquíssimas exceções (muito poucas, há que registar), ninguém pediu a Passos Coelho para reconsiderar. Ninguém pediu, organizou ou criou uma vaga de fundo para que reconsiderasse a sua decisão. Ninguém procurou que repensasse continuar líder do PSD e, consequentemente, líder da oposição.
Ao contrário do que aconteceu no passado com líderes e lideranças carismáticas – como, por exemplo, Aníbal Cavaco Silva. Com iniciativas públicas e mediáticas de nomeada. Com movimentos de milhares de militantes a pedir que não saísse da liderança. E, neste tempo, é o que temos de constatar. Para talvez mais tarde recordar. Porque muitos dos que na segunda metade da sua liderança ‘existiram’ politicamente à sua conta, nem uma palha mexeram para a sua continuidade.
Mais curioso ainda é verificar que quem lhe teceu mais elogios foram não militantes do PSD – jornalistas nuns casos, analistas e comentadores noutros, que o reconheceram como um liberal coerente, um defensor dos mercados, da sociedade aberta, dos poderes regulatórios, etc.
Quase todos – justiça lhes seja feita – em coerência, continuando a defender que o papel do PSD no país deverá ser uma espécie de partido liberal, muito pró urbano, na tradição do Partido Liberal Alemão. Não sendo despiciendo destacar que muitos deles, embora não sendo militantes do partido, muito influenciaram Pedro Passos Coelho, estratégica e programaticamente.
Foram, têm sido, na prática (com poucas outras exceções), os únicos a acusar a sua orfandade.
Até porque muitos deles, apesar de conhecerem apenas Portugal pela internet, já perceberam o que aí vem. Ou seja, digam o que disserem, o PSD ficou vacinado por muitos e bons anos quanto a várias das suas receitas ideológicas. Neste quadro emocional provou-se que quem não é de afetos e de memória poucas saudades deixa na hora da saída. E que os de fora, não conhecendo a verdade toda, são os mais transparentes e coerentes.
Mas, e agora? O que pode e deve acontecer? A bem de Portugal, dos portugueses e do PPD/PSD?
Desde já, o pior que pode acontecer ao PSD é entrar na voragem de não discutir o que correu mal. E iludir-se. E tecer loas ao que correu bem. A acontecer, será enfiar a cabeça na areia. Essa discussão tem de ser feita. Doa a quem doer. O PSD não pode seguir em frente sem a fazer. Constatando o óbvio.
Os portugueses estão reconhecidos ao PSD por ter mandado embora a troika.
Mas já não querem esse PSD. Querem outro. Diferente. Sobretudo na sua relação com vários setores da sociedade portuguesa. Daí que faça sentido que, na definição do seu novo ciclo político, na sua relação com Portugal e com os portugueses, não se deixe enredar em discussões estéreis, discutindo apenas o acessório e não o essencial.
Os que estiveram, como nós, sempre em coerência e com muita convicção, no tempo mais difícil que foi o da troika, exigem elevação, propondo um caminho diferente no tempo devido e de modo próprio.
O regresso à nossa matriz social-democrata, com um projeto mobilizador, esclarecido e aberto a todos os portugueses e a todas as portuguesas. Como disse, e bem, Rui Rio esta semana. É hora de agir! Por Portugal, pelos portugueses e pelo PSD, na tradição do PPD/PSD de Francisco Sá Carneiro. Em tudo. E não só na apropriação indevida do folclore e nas controvérsias políticas.
olharaocentro@sol.pt