Saímos de Pristina para Skopje num miniautocarro que bateu recordes de falta de conforto. Era já noite cerrada quando chegámos a Skopje, capital da República da Macedónia – república esta que tem o mesmo nome de uma região da Grécia, tendo-lhe isso já valido uns quantos problemas a nível de política internacional. A República da Macedónia foi, ao longo da História, massacrada por invasões de países vizinhos e, depois da Guerra dos Balcãs, os gregos recusaram-se a reconhecê- -la, já que o país se estaria a apropriar do nome de uma região grega, bem como da bandeira com a estrela de 16 raios amarelos em fundo vermelho de Alexandre, o Grande. Mas o governo da Macedónia não fez caso e Skopje é a área com mais bandeiras hasteadas por metro quadrado que eu alguma vez visitei. Skopje é fria e cinzenta nesta altura do ano. Estávamos à procura de um lugar para jantar quando descobrimos o centro da cidade. É difícil descrever a mistura de sensações que esta cidade me provoca. As pessoas não falam inglês, não se mostram muito disponíveis para conversas e, por isso, passo ao papel de mera observadora. O centro da capital dá-nos a sensação de estarmos em plena Disneylândia, há estátuas por todo o lado, umas enormes, outras mais pequenas, há estátuas de todos os tamanhos e feitios, e não é por ser expressão, aqui foi mesmo para inglês ver. Se recuarmos apenas quatro anos, a Macedónia sofreu uma transformação no mínimo “radical” e fora do comum que tinha como objetivo atrair o turismo e lembrar os heróis e ícones nacionais.
Os edifícios recentes têm um estilo neoclássico que não condiz com o que o país viveu nos últimos anos, ignorando grande parte da influência da população da Albânia no decurso da história do país. Há mesmo um enorme Arco do Triunfo, e quem não estiver informado sobre o projeto recente de reabilitação da cidade e não conhecer o investimento de quase 500 milhões de euros gastos na sua decoração fica a achar que está perante uma capital imponente, majestosa, gloriosa. A ideia parece ter sido essa, mas falha tremendamente assim que damos de caras com crianças a pedir dinheiro na rua, quando se vê a miséria dos mais velhos ou até mesmo quando se sabe que o salário mínimo é de 237 euros mensais. Na cidade já se fizeram manifestações e faz-se a piada à falta de gosto, bem como se apontam severas críticas à forma como este dinheiro foi gasto. O número total de estátuas é um mistério para quem passa, diz-se que há gente que contou mais de 60, e não estamos admiradas.
Do outro lado da cidade parece termos chegado à Turquia, com a elegância e as infinitas cores que se propagam pela luz dos pequenos estabelecimentos do Old Bazar.
Na rua há uma enorme banca de livros que se amontoam sem fim. Uma mulher de poucas palavras encaixa aqui mais um, ali mais outro. Fica difícil perceber como alguém conseguirá escolher um livro naquela enorme montanha de ar tão frágil. Ela chama-se Sonia e garante que ali estão mais de 500 livros que vai trocando de posição todos os dias, talvez como ritual, talvez como método de negócio, não se percebe bem.
Recebo uma mensagem no telemóvel, é um amigo meu que me pergunta onde estou. “Na Macedónia”, respondo-lhe. Ao que ele me responde: “Quão estranha achaste Skopje?” Entretanto, rio-me para um condutor de charrete que já a guia há três anos. “Agora fica bem cavalos a passar aqui. São 100 moedas por dia”, diz Traitche, de 52 anos. Os dois cavalos são brancos com pintas pretas, e têm 13 e 14 anos. “Desculpe, não sei falar bem inglês”, diz-me com ar desconsolado.
Vamos para o hostel e é por lá que conhecemos Guney Baser, um jovem turco de 25 anos que fez um percurso semelhante ao nosso nas últimas semanas. Vive em Munique, onde vai terminar a nossa viagem. Estuda por lá porque queria viver longe das regras e da nova onda política da Turquia.
Conta-nos sobre a educação de esquerda que a mãe lhe deu e como há um enorme preconceito na Alemanha em relação aos da sua nacionalidade. “Acham que somos todos muçulmanos só porque somos de um país muçulmano. A minha mãe nunca me ensinou a rezar e eu nunca entrei numa mesquita sequer”, conta-nos enquanto bebemos chá. Estão apenas nove graus e um rapaz passa por nós de calções e t-shirt. Pergunto-lhe se não tem frio e como consegue andar assim com aquelas temperaturas. “Sou inglês, isto é brincadeira”, responde-me o jovem também de 25 anos, que é cientista e se refere ao seu objeto de estudo como “o meu fungo”.
Será na Macedónia que uma gripe nos apanha desprevenidas. E é precisamente quando estamos a comprar lenços de papel numa espécie de supermercado na estação de comboios de Skopje que Richard, de 72 anos, nos aborda. Tem um ar mais saudável que o nosso naquele momento. Nascido e criado no Kansas, nos Estados Unidos da América, o espesso cabelo branco serve de disfarce à alma extremamente jovem que alimenta com viagens todos os anos. Hoje vai apanhar um autocarro para conhecer a aldeia onde cresceu parte da família do seu amigo da Macedónia. Adora Portugal, onde irá em breve com a filha e netos, mas veio à Macedónia para se encontrar com um amigo que é de cá. Milan, um jovem local de 27 anos, trabalhava no bar que Richard frequentava quando em férias em Skopje, há uns anos. Desde então, ficaram amigos e Richard visita-o constantemente. A amizade não escolhe idades, explica Richard, “porque a idade está na cabeça”.