Harvey Weinstein. As sequelas de um filme de terror

Na indústria do cinema, toda a gente sabia. Os vícios privados de HarveyWeinstein destruíram as virtudes públicas do produtor. Trinta mulheres acusam-no de assédio sexual.

Os testemunhos sucedem-se a um ritmo galopante e é provável que não parem por aqui. escândalo rebentou em Hollywood. Harvey Weinstein, produtor da Miramax, vencedor de um número incontável de Óscares, figura de proa mas não necessariamente insuspeita da indústria cinematográfica, perdeu tudo. A carreira, a mulher, o prestígio e a dignidade.

Após extensa investigação do New York Times sobre casos de assédio, as histórias começaram a cair em catadupa. E, de repente, além das oito mulheres que aceitaram negociar acordos sigilosos para silenciar as acusações de assédio sexual e contacto físico sem consentimento, eram trinta as atrizes de Hollywood com a mesma versão para contar. Só mudavam os rostos e os corpos, os testemunhos repetiam-se. Gwyneth Paltrow relatou pedidos de «massagens». Asia Argento admitiu ter praticado sexo oral contra a sua vontade numa festa organizada pela Miramax em 1997, quando tinha 21 anos. A italiana reconheceu ter mantido uma relação com o produtor nos meses seguintes com medo de perder a carreira. Rose McGowan, uma das protagonistas do filme Gritos, também produzido pela Miramax, confessou ter vendido o silêncio por 100 mil dólares e acusou o CEO da Amazon, Jeff Bezos, e Ben Affleck de não terem agido ao tomarem conhecimento do caso. «Estou triste e com raiva por ver o homem com quem trabalhei a usar a sua posição de poder para intimidar, assediar sexualmente e manipular muitas mulheres ao longo de décadas».

Quase todos os testemunhos coincidem na estratégia: Weinstein chamava as assistentes para as atrizes se sentirem confortáveis mas, pouco depois, esta desapareciam, deixando-o sozinho para agir livremente. «Nós também não estávamos seguras. Ele usava-nos para parecer menos predatório», contou uma assistente não identificada que nos últimos cinco anos trabalhou com o executivo em Londres. «Era uma relação abusiva a todos os níveis». Tudo era «muito mais complicado» do que podia parecer, sugere a mesma funcionária em entrevista ao Guardian.

Weinsten usava o poder e influência como tática de manipulação. «Acha que vai conseguir essa carreira bem-sucedida? Acredita que vai ter sucesso? Ele aproveitava-se disso. Aproveitava-se de pessoas mais novas e vulneráveis, mais fáceis de manipular», relata esta fonte. O padrão é claro: era marcada uma reunião de trabalho num hotel, as mulheres chamadas ao quarto, Weinstein vinha de robe e pedia massagens (e contacto) em troca de progressão na carreira.

Agora, o produtor foi afastado da própria empresa e expulso da Academia dos Óscares. A mulher, Georgina Chapman, de 41 anos, pediu o divórcio e desculpa a todas as vítimas. «Estou de coração partido por todas as mulheres que sofreram uma dor enorme devido aos imperdoáveis atos dele», confessou. E o irmão mais novo Bob, co-fundador da produtora Weinstein Company, não foi económico nas palavras. «Conheço-o a nível pessoal melhor do que ninguém. É difícil descrever como me sinto pelo facto de ele ter explorado o vazio que tem dentro de formas tão doentes e depravadas. É uma doença mas não uma doença que se desculpa. É uma doença que não tem desculpa», acusou ao Hollywood Reporter. Bob sabia que algo não batia certo e que o irmão «precisava de ajuda», mas nunca pensou tratar-se de um «predador». «Eu pensava que ele andava por aí a trair a mulher com muitas outras. Ele nem nunca teve uma amante. Era uma atrás de outra e disso eu sabia», assume, «mas não estava ciente do tipo de predador que ele era. E a forma como convenceu as pessoas a fazerem as coisas? Pensei sempre que eram situações consensuais».

O escândalo só agora rebentou mas a avaliar pelas reações, na indústria o comportamento de Harvey Weinstein era conhecido e censurado mas faltou coragem para a denúncia. Em 2005, Courtney Love alertava as jovens atrizes a não se aproximarem do produtor. «Se Harvey Weinstein convidar para uma festa no Four Seasons, não aceitem», diz num vídeo da BBC agora resgatado. E até se faziam piadas sobre o tema. Na série humorística 30 Rock (criada por Tina Fey), há uma cena em que a personagem Jenna diz não se deixa intimidar por ninguém. «Não tenho medo de ninguém no mundo do espetáculo. Eu recusei ter relações sexuais com Harvey Weinstein em pelo menos três ocasiões». O episódio foi exibido em março de 2012. No ano seguinte, durante a cerimónia das nomeações para os Óscares, ao anunciar os nomes das candidatas a Melhor Atriz Secundária, o ator Seth MacFarlane comentou: «Parabéns a todas as cinco atrizes, já não terão que continuar a fingir que se sentem atraídas pelo Harvey Weinstein». O riso nervoso da plateia era o de quem sabe ou desconfia mas tenta disfarçar. Nos bastidores de Hollywood também se comenta que que a personagem Harvey Weingard, da série Entourage, criada pela HBO em meados dos anos 2000, era inspirada em Weinstein. As semelhanças são evidentes – um produtor de cinema mal educado, que fervia em pouca água e abusava do poder.

As denúncias crescem de dia para dia mas há quem se mostre preocupado com as possíveis sequelas. Woody Allen lamentou o caso e afirmou não haver vencedores. O cineasta manifestou tristeza pelas mulheres assediadas mas deixou uma palavra para Weinstein, «que ficou com a vida arruinada». Woody Allen teme uma «caça às bruxas» em Hollywood.

Talvez nem seja necessário porque o castelo de cartas já começou a cair. Por exemplo, da islandesa Björk que, na sua incursão cinematográfica de Dancer In The Dark, acusa o realizador Lars Von Trier de assédio sexual. Sem nunca o nomear , Björk declara-se vítima de assédio sexual de um «cineasta dinamarquês». «Percebi que é uma coisa universal que um realizador possa tocar e assediar as suas atrizes à vontade e a instituição do filme permite-o. Quando eu repetidamente lhe dei negas, irritou-se e castigou-me, e criou a ilusão para toda a sua equipa de que eu era a difícil. Por causa da minha força e da minha grande equipa, e porque eu não tinha nada a perder, sem quaisquer ambições no mundo da representação, afastei-me e consegui recuperar em um ano», escreveu nas redes sociais. O realizador negou todas as acusações da islandesa mas o manto de suspeição já ninguém o tira.

O testemunho de Kaya Jones, membro das Pussycat Dolls no início da girl band é mais incisivo. «A minha verdade. Não estava numa girl band. Estava numa rede de prostituição», acusou no Twitter. «Para fazer parte da equipa, tens de jogar em equipa. Ou seja, dormir com quem eles te dizem para dormir. Se não o fizeres eles não têm poder sobre ti», recordou a cantora que se afastou em 2005 quando o grupo estava no auge. A acusação já foi negada pela fundadora Robin Antin, que classificou as palavras de Kaya Jones de «mentiras ridículas e nojentas». Sucedem-se ainda os casos mantidos debaixo das pedras nos últimos anos. Por exemplo, o de Matt Mondanile, despedido do posto de guitarrista dos Real Estate no ano passado. As razões foram mantidas em segredo durante estes 18 meses mas agora a banda revelou que o real motivo para ter afastado o músico esteve nas múltiplas acusações de mulheres. Um comportamento abusivo denunciado nas páginas da Spin e abafado há doze anos.

O escândalo Weinstein pode ser o princípio do fim de uma era de abuso de influência em que sobretudo as mulheres foram subjugadas ao poder do mais forte. «Toda a gente via o que se estava a passar. Essa é a parte mais nojenta. Toda a gente sabia e ninguém fez nada», escreveu a atriz Lea Seydoux em artigo no Guardian. O silêncio foi longo mas agora o ruído é ensurdecedor.