Shinzo Abe levou a melhor na arriscada aposta das eleições antecipadas e este domingo parecia prestes a conservar a maioria parlamentar de dois terços, o que indica que tem o caminho aberto para alterar a Constituição japonesa e dar mais liberdade às suas Forças Armadas, como deseja há muito. As sondagens à boca das urnas sugerem, porém, que o primeiro-ministro japonês e a coligação de governo estão apenas marginalmente acima da linha de água dos dois terços – 311 deputados na Câmara Baixa de 465 lugares, segundo uma consulta citada pelo “Guardian” –, indicando que a super-maioria não está garantida. Os valores definitivos saem esta segunda-feira.
Com ou sem os dois terços, o primeiro-ministro japonês venceu determinantemente as eleições antecipadas. Shinzo Abe convocou-as há um mês pressentindo a oposição fragmentada e querendo renovar a sua imagem manchada. O momento foi chave. Apenas horas antes de o primeiro-ministro anunciar as eleições antecipadas a um ano do fim do mandato, a popular presidente da Câmara de Tóquio apresentou um partido novo, o da Esperança, que fragmentou a oposição e levou a que fosse criado uma segunda nova formação em poucas semanas. Confrontando um primeiro-ministro manchado por vários escândalos, mas desunida, a oposição perdeu mais do que Abe venceu.
O inesperado crescimento económico ajudou e a Coreia do Norte também. Shinzo Abe apresentou-se na campanha como um defensor seguro do Japão no momento de escalada militar, clivagem aberta de estratégias para lidar com Kim Jong-un e um presidente americano imprevisível e abertamente beligerante. “A situação no mundo não é estável em vários aspetos e acredito que o PDL é o único partido em que podemos confiar”, contava este domingo ao “Guardian” uma residente de Tóquio, falando do Partido Democrata Liberal de Shinzo Abe. Reagindo aos primeiros resultados, o primeiro-ministro prometeu “honestidade e humildade”. “Não pensamos num plano apenas para os partidos de governo”, disse. “Quero esforçar-me para obter apoio de tantas pessoas quanto possível.”
Pacifismo
A ideia de consenso em Shinzo Abe está relacionada com a promessa recente de suavizar a campanha de alteração Constitucional. O primeiro-ministro sabe que o artigo em que o Japão se compromete a renunciar a guerra e utilizar o exército apenas para defender o país é popular. Abe diz que quer apenas esclarecer a sua linguagem para que não haja dúvidas sobre se o exército é constitucional ou não num momento de crise regional. Os críticos afirmam, porém, que a explicação é duvidosa e que o primeiro-ministro que já autorizou os militares japoneses a combater em missões no estrangeiro quer, na realidade, dar liberdade ao exército para acumular força e atuar como as Forças Armadas estrangeiras.
Ao longo da campanha, Abe recuou na meta de 2020 para rever a Constituição, mas esse continua a ser o seu objetivo. Até esse passo pode esconder uma tática eleitoral: o primeiro-ministro partiu para as eleições com uma taxa de popularidade negativa e ainda manchado por um escândalo em que ele e a mulher se vêm ligados a uma escola ultra-conservadora cujo ensino faz lembrar as tendências pré-pacifismo de supremacia racial. “Há uma contradição em Abe”, dizia este domingo Jeff Kingston, o diretor de estudos asiáticos da Universidade Temple, em Tóquio, falando ao “New York Times”. “Como é que um tipo que é basicamente impopular com os eleitores, cujas políticas não são especialmente célebres, que não é muito prezado na sua liderança continua a vencer eleições?”