Porque temos os políticos que temos? Porque somos um povo tão feliz?

Talvez porque a generalidade das pessoas, com ou sem fundamento para isso, tem a nossa classe política actual em muito má conta, já ninguém espera que um jovem adulto com muitas qualidades e um currículo riquíssimo resolva dedicar-se a essa actividade. 

Daí que – como ainda a semana passada vimos – a nossa população não pareça importar-se muito e, pelo contrário, chegue a preferir votar nos políticos que são eventualmente apanhados pela Justiça por terem cometido crimes de corrupção complexos e sofisticados. 

Uma das ideias com que se pode ficar é que muitos eleitores, sejam eles iletrados ou licenciados, partem do princípio que a prática de tais crimes requer, não meras capacidades vulgares, mas talentos raros de inteligência e criatividade por parte dos seus autores, e que isso tem de ser devidamente valorizado e recompensado em termos eleitorais. 

Outro tipo de personalidade que em Portugal tende a ser altamente apreciado – contrariamente ao que se passa, por exemplo, nos países nórdicos –, é o dos mentirosos compulsivos, amorais e gananciosos que fazem carreira na política, tantas vezes como vencedores natos e brilhantes oradores, pois, como reza o ditado popular, “Quem não tem vergonha, todo o mundo é seu!” 

Curiosamente, o bom povo português (e, em especial, grande parte da comunicação social) tem vindo a revelar, cada vez mais, pouco ou nenhum apreço e empatia, muito menos admiração, pelos políticos que sobressaem por se comportarem invariavelmente como gente séria, digna, afável, corajosa, branda, responsável, incorrupta e sem deslumbramentos, como se tais características, outrora vistas como qualidades humanas inestimáveis, se tivessem tornado, hoje em dia, traços detestáveis ou irrelevantes, sobretudo num líder político que se quer poderoso e ganhador. 

Desse ponto de vista, o que se tem passado relativamente às opiniões publicadas a respeito de Pedro Passos Coelho, desde que em 2011 chegou a primeiro-ministro, poderia talvez ser explorado e esmiuçado como um fascinante ‘caso de estudo’, pois acredito que iria revelar mais sobre a verdadeira situação em que a sociedade portuguesa se encontra, do que muitos dos indicadores económicos e sociais que os ‘analistas’ tanto gostam de utilizar.

De resto, se apenas tivermos em conta as eleições do dia 1 e as sondagens de opinião, tudo parece indicar que a grande maioria dos portugueses está bastante satisfeita com a actual governação do País, o que significa que nenhum político se arriscará a mudar ou reformar seja o que for, salvo um ou outro detalhe cosmético sem importância.

Temos, em suma, pelos vistos, fortes razões para nos sentirmos felizes e gratos à Democracia pelos magníficos resultados que o nosso País tem conseguido alcançar, nesta exemplar caminhada para o “socialismo”.
                                                                                   
Nota de última hora: Até ao governo de Passos Coelho, o nosso sistema político autorizava que alguém como por exemplo Isaltino de Morais fosse escrutinado, julgado e condenado pela Justiça, mas – por formas que o cidadão comum desconhece – aparentemente não era verosímil, ou permitido, que as figuras mais poderosas do regime, como José Sócrates ou Ricardo Salgado, pudessem porventura ser sujeitas a processos de investigação judicial em que corressem o risco de sofrer penas de prisão efectiva.

Mas ontem, dia 11, quando foi tornado público o tão aguardado despacho de acusação relativo à ‘Operação Marquês’, pudemos respirar de alívio e congratular-nos. Era a confirmação de que a Procuradoria-Geral da República, sob a liderança da Dra. Joana Marques Vidal, pudera enfim cumprir integralmente, e sem obstáculos injustificáveis, as funções que por lei lhe competem – facto que, a um leigo como eu, surge como coisa inédita. A partir de agora, e seja qual for o desfecho que o caso venha a ter, parece poder-se dizer que o regime político iniciado com o 25 de Abril deu o passo que lhe faltava para poder ser considerado, verdadeiramente, um Estado de Direito democrático, no sentido em que o poder judicial, o poder executivo e o poder legislativo não interferem uns com os outros nem prejudicam a respectiva independência funcional. 

Oxalá possamos continuar a viver num país europeu decente e civilizado