Quem não se lembra do momento em que Mário Centeno respondeu ao deputado social-democrata Duarte Pacheco “leia nos meus lábios: não há aumento de impostos”? Decorria uma discussão semelhante à que ontem aconteceu na Assembleia da República, com um Orçamento do Estado (OE) a ser debatido pelas várias bancadas parlamentares. O que mudou? O ano. A resposta que Centeno deu ao social-democrata demorou um ano para voltar ao hemiciclo.
António Leitão Amaro, deputado do PSD, confrontou o ministro com a situação e acusou-o de mentir. “Os seus lábios dizem palavras em que não posso confiar”, disse o social-democrata, que acusou o ministro de ser “o responsável pela maior carga de impostos de que há memória”. Para Leitão Amaro, “os portugueses nunca pagaram tantos impostos, à dimensão da economia”, como agora, e por isso resolveu dizer ao ministro: “Peça desculpa, por favor.”
“Esperemos que, até ao final do debate, o senhor deputado tenha condições para chegar ao fim [do documento]”, respondeu Centeno ironicamente. “Todas as medidas de que o senhor sente falta estão lá”, disse, entre risos. Sobre as medidas, o responsável da pasta das Finanças reforçou que “o futuro não se faz se não for numa trajetória equilibrada em que o hoje não se sobreponha ao amanhã”.
Novas medidas no OE
Sobre as medidas de prevenção e combate aos incêndios, que foram apresentadas no passado sábado pelo conselho de ministros, Leitão Amaro confrontou “as palavras” de Mário Centeno “com os seus atos”: “Afinal, foi dotar a proteção civil e o combate aos incêndios com uma verba inferior à que o último governo atribuiu?”
Depois da tragédia de 15 de outubro, a execução das medidas apresentadas no conselho de ministros e o impacto que teriam no OE eram os assuntos mais esperados do debate. “Estranha-me o desapego que agora têm [PSD e CDS] face às políticas que adotaram”, provocou Centeno. “Podemos obviamente partilhar o sucesso destas políticas com quem as achar adequadas.”
Picardias à parte, o ministro garantiu que “a gestão rigorosa realizada nos últimos anos permite incluir estas medidas sem colocar em causa os compromissos assumidos” com Bruxelas. No entanto, Centeno acabou por esclarecer que, mesmo antes da segunda tragédia, já havia negociação com a União Europeia para que essa despesa extraordinária não fosse contabilizada no défice.
Aumento das cativações
Claro que numa discussão com Centeno não poderia faltar o tema das cativações. “Não há nada de obscuro, nada de pouco transparente nas cativações”, afirmou o ministro quando confrontado sobre o assunto. A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua lembrou que o aumento das cativações nos últimos dois anos foi “de 1,9 para 2,7 em 2016” e “de 2,7 para 2,9 em 2017”. “São 1190 milhões de euros cativados”, afirmou a deputada, que acredita que “as cativações não têm servido para cumprir metas de défice, têm servido para ultrapassar metas de défice”.
“‘Cativações’ não rima com inconstitucionalidade”, atirou Mário Centeno para a bancada do PSD, relembrando as medidas do antigo governo que foram várias vezes chumbadas pelo Tribunal Constitucional. “Cumpriremos à risca o que são as determinações legais nesta matéria e não hesitaremos em pôr os interesses dos portugueses acima de alguma política que aqui se faz”, acrescentou.
O PCP, pela voz do deputado Paulo Sá, acusou também o governo de atingir um nível tão baixo no investimento público que já se tornou histórico, pois “ao longo das últimas décadas tem vindo a decrescer”, atingindo no OE/2018 um valor “inferior ao de 1995”.
Polémica de Dijsselbloem
A “unânime” decisão de manter Jeroen Dijsselbloem à frente do Eurogrupo foi criticada pelos dois grupos parlamentares de direita, que pediram esclarecimento sobre a posição do governo na decisão. Cecília Meireles, deputada do CDS, quis saber se “houve apoio unânime” para que o ministro das Finanças holandês continuasse à frente do Eurogrupo, lembrando a declaração “infeliz” e “inaceitável” de Dijsselbloem – quando afirmou que os países do sul não podem gastar o dinheiro em bebidas e mulheres e, depois disso, ir pedir ajuda.
Centeno esclareceu que “não foi essa a posição [substituir Dijsselbloem] da maioria dos membros do Eurogrupo” e que Portugal, sozinho, não iria mudar nada. O que existiu foi “uma definição do calendário para eleger um novo presidente”, referiu.