«Quanto a alegados conflitos entre polícias, eu não me pronuncio sobre investigação criminal, se eu paguei voluntariamente o preço de recusar interferir nessa área, é evidente que não me vou pronunciar», afirmou anteontem o ministro da Defesa. Azeredo Lopes diz que não se pronuncia, mas a verdade é que a guerra entre polícias – a Polícia Judiciária (PJ) e Polícia Judiciária Militar (PJM) – não tem sido, definitivamente, um assunto fácil de gerir nos bastidores. Na semana passada, sabe o SOL, a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, ligou ao ministro da Defesa ameaçando fazer queixa do diretor da PJM, Luís Vieira. A chamada, feita num tom crispado, foi o culminar de uma semana de tensão.
Foi António Costa quem veio meter água na fervura e evitar que a participação contra a PMJ avançasse. E ainda nessa sexta-feira, a partir de Bruxelas, o primeiro-ministro congratulou a PJM e a GNR – deixando de fora os titulares oficiais da investigação, ou seja, o DCIAP, coadjuvado pela PJ – pelo trabalho desenvolvido na investigação.
Na base do telefonema estava o filme da interceção dos materiais furtados em Tancos que abriu, como tem sido descrito em vários meios de comunicação social, nos quais o SOL se inclui, mais uma brecha na relação entre a PJ e a PJM. Uma guerra que dura há anos. Mas os militares desvalorizam as expressões utilizadas nos media para descrever o desacordo. «Não há guerra nenhuma», disse ao SOL fonte militar conhecedora do processo. «O que há são percepções diferentes das prioridades».
Segundo o major Vasco Brazão, porta-voz da PJM, a equipa que chegou ao local «tomou a decisão certa na forma como agiu», dado que chovia e trovejava de forma violenta e, naquele momento, o importante era, por ordem, «salvaguardar a população, os investigadores presentes e a prova». E, recorda, as equipas no local só tiveram a certeza de que se tratava do material furtado perto das 10h00 da manhã, já em Santa Margarida. Assim que houve confirmação – conseguida através dos números de série das granadas -, o DCIAP e a PJ foram imediatamente informados.
Para outro militar conhecedor do processo, as notícias que têm vindo a lume mais centradas na discórdia entre polícias do que na recuperação dos materiais apenas trazem mais entropia a um caso que, desde o início, está envolto em ruído. «Não estamos a perder tempo com guerras, a investigação continua», garantiu.
Divergência de teses
Ao que o SOL sabe, há pelo menos dois militares identificados no caso e, segundo o curso da investigação, que se mantém em segredo de justiça, tudo indica a que venham a constituir-se «vários arguidos, incluindo graduados», diz fonte judicial, acrescentando que «a história de que a PJM anda a encobrir militares não faz sentido, já que a esmagadora maioria dos arguidos constituídos nos processos deste órgão são militares».
No entanto, e contrariamente à informação que o SOL veiculou na semana passada, uma fonte próxima do processo reconhece que os ditos militares «poderão não estar diretamente relacionados com o assalto», e que as acusações estarão relacionadas «com o exercício das suas funções». Mais concretamente, com o incumprimento de rondas.
De acordo com o Observador, um sargento, – um dos militares monitorizados pela investigação desde o desaparecimento das armas – terá ordenado aos soldados de serviço do Regimento de Engenharia n.º 1 para, naquela noite, não fazerem as rondas. A ordem foi, efetivamente, proferida. No entanto, segundo soube o SOL, este seria um comportamento típico dos responsáveis pela segurança dos Paióis Nacionais de Tancos – assegurado em regime rotativo por três unidades militares próximas, uma das das quais a de Engenharia. Ou seja, as forças policiais acreditam que a indicação pode não estar diretamente ligada com o assalto, até porque o furto terá acontecido, muito provavelmente, antes de 28 de junho, dia em que foi dado o alerta.
Em agosto, o Diário de Notícias escrevia que os militares «escalados para fazer a segurança daquele local isolado» entendiam o serviço como uma altura «para descansar», tese que vai ao encontro desta versão. E ao que soube o SOL, era comum os militares responsáveis pela segurança fingirem, nos registos, que as rondas agendadas tinham sido efetivamente cumpridas. Portanto, é possível que a ordem não tenha passado de (mais) uma tremenda coincidência neste assalto ainda por explicar.
Momentos ‘altamente cómicos’
Nestes precisos quatro meses, o caso de Tancos tem ficado marcado por episódios pouco comuns. Logo após o desaparecimento das armas, no início de julho, e após a exoneração temporária de cinco comandantes do Exército – uma figura que não existe nos estatutos militares -, foi marcado um protesto de oficiais à margem dos órgãos militares. O protesto, inédito, contemplava a deposição das espadas à porta do Palácio de Belém e acabou por ser desconvocado. A meio de julho, os comandantes foram readmitidos.
Em setembro, Azeredo Lopes aventou uma possibilidade polémica, ao afirmar que «no limite» poderia «não ter havido furto».
Já esta semana, foi a vez do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, considerar que «Tancos teve aspetos altamente cómicos». «Quando alguém telefona a informar que as armas estão todas no local X… Enfim, vai ter que se apurar realmente quem promoveu, realmente, esta situação e quem ganhou com ela», disse Ferro Rodrigues em entrevista à revista Visão.
Dos Açores também chegaram reações. Ao lado do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o ministro da Defesa registou como «extremamente positivo» a recuperação do material de guerra, sublinhando que foi «a primeira vez» em democracia que se recupera material «num furto desta natureza».
Faltam agora encontrar os autores do assalto e as munições de 9 mm, mas a tese de terrorismo – a que mais preocupava as autoridades – está quase seguramente afastada.