Há um pormenor no discurso da candidatura de Pedro Santana Lopes que não teve a atenção merecida e explica muito do que se passa na corrida para a liderança do PSD. Santana, talvez por ser um homem da cultura, entendeu que o adversário do seu partido – Costa – tem um governo que depende de uma coisa: as palavras.
Em Santarém, falou-se tanto de «liberalismo» como de «forte intervenção do Estado» na saúde e na educação. Quando ouvimos um deputado explicar Santana com Hayek e outro, que se define de centro-esquerda, elogiá-lo pela dedicação às «causas sociais» percebemos que a eleição do sucessor de Passos Coelho nada terá a ver com ideologia.
Não é por acaso que Mário Centeno admitiu recentemente que «a austeridade não faz parte do léxico» do governo, ao mesmo tempo que garantia que fará todas «as cativações que forem necessárias». A estratégia do Partido Socialista depende disso – do campo lexical – e é assim desde o início. Fomos de austeridade para consolidação orçamental, de Bruxelas para ‘a Europa’, de cortar para cativar, de demitir para exonerar, de Presidente para Marcelo, do governo da direita para a maioria de esquerda.
Costa trouxe um novo dicionário para o palco político e beneficia dele todos os dias. Esta coluna já antes falou da diferença entre ‘orçamento e mensagem’. Os portugueses acreditarem, hoje, que o ciclo económico é coincidente com o ciclo político é consequência disso – da mensagem. Passos entendeu-o e deixou o partido mudar de mensageiro; Santana aproveitou-o e mudou o dicionário para escrever nova mensagem: a ‘geringonça’ passou a «frente de esquerda», o governo passou a «governo em funções», o PSD passou a PPD. Num tempo em que São Bento depende de assumir-se como principal emissor da comunicação – ou do spin – esta é uma primeira mudança que gira o tabuleiro. Mesmo que nada mais se altere, equilibrou-se um pouco a balança.
Pedro Passos Coelho não era um grande veículo de emoções – nem as boas, nem as más – e isso tem desvantagens (de popularidade) e vantagens (de estabilidade) quando se governa durante um resgate anexo às piores das emoções. António Costa foi ideal para o pós-resgate, mas falhou no regresso à tragédia, desta vez humana. O primeiro-ministro sabe rir e sabe dar; Santana Lopes tanto sabe sorrir como chorar. A vantagem do ex-provedor da Santa Casa, além de maior imunidade aos chavões que o PS colou a Passos («Não sou o tipo de líder crispado»), é essa flexibilidade emocional a que, em política, chamamos carisma.
Santana tinha muito por dizer e por deitar cá para fora. Transbordava de tensão e carregou-a nos botões mais sensíveis às hostes, provocando uma descompressão paralela entre o seu passado e o presente do seu partido: de Sampaio para Sócrates, de Sócrates para Costa; de Pacheco contra Passos a Rio contra si. A costura histórica, sem papel, funcionou por isso. Funcionará para o país?
Ainda não sei.