Ficou a saber-se logo à partida – e antes mesmo de haver debate – que seria chumbada pela esquerda unida, que preza mais as sinecuras alcançadas em dois anos de exercício (ou de proximidade ao poder) do que os 110 mortos, dezenas de feridos, mais de um milhar de casas destruídas, hectares de floresta ardida (incluindo o Pinhal de Leiria) e centenas de empresas com o futuro comprometido e consequente desemprego.
Ao espanto de tudo o que aconteceu em quatro meses, demonstrando a completa incapacidade do Estado em acudir às populações, sucedeu o indecente descaramento do Bloco e do PCP – dantes partidos de protesto quase permanente –, que se colocaram ao lado de António Costa e do Governo para serem as muletas da sua imerecida sobrevivência.
Ao desfile obsceno de operacionais incapazes nomeados por Costa, seguindo o critério do amiguismo e do cartão partidário – sem currículo que os recomendasse para a Proteção Civil –, sobreveio o desaforo de gente menor, a quem pouco importa o sofrimento de famílias dramaticamente amputadas e das extensas manchas do país destruídas pelo fogo.
O Bloco amparou o primeiro-ministro porque teve medo de, derrubado o Governo, ser penalizado pelos eleitores – legitimamente assustados com a ineficiência do Estado em situações de risco.
O PCP, ainda amedrontado com a perda de uma dezena de câmaras emblemáticas para os seus pergaminhos, seguiu o mesmo caminho, sem reparar que a sua retórica oportunista apenas desorientou ainda mais os apaniguados.
Como poderá um comunista de Pedrógão Grande, Arganil, Góis, Vila Nova de Poiares, Penacova, Lousã, Oliveira do Hospital, Santa Comba Dão, Tábua, Mortágua ou Marinha Grande compreender que o seu partido tenha votado contra uma moção de censura, que se propôs «dar voz à indignação de muitos portugueses que se sentem abandonados e perderam a confiança no Governo» e fundamentada na «incompetência e descoordenação dos serviços do Estado»? Não é isto verdade?
E como poderá um ativista urbano do Bloco, enfeitado com as suas plumas intelectuais e académicas, não se condoer com a má sorte de milhares de portugueses deserdados nesse distante interior, que assistiram impotentes à calamidade de ficarem sem nada?
Como é possível que esses dirigentes e seguidores do Bloco se sintam representados por uma ex-atriz, fundadora de Visões Úteis, uma obscura companhia teatral do Porto financiada pelo Estado Português (como consta no respetivo site), que qualifica a legítima moção de censura do CDS como «um truque grotesco» e a moção de confiança sugerida pelo PSD ao Governo como de «um ridículo intolerável»? Os media passaram adiante.
O que é verdadeiramente chocante, ou melhor, grotesco e ridículo, é querer pôr uma ‘pedra sobre o assunto’, tomar o país por tolo e abúlico, e acusar ‘a direita’ das culpas da floresta consumida.
No seu afã de colocar o Bloco, custe o que custar, por dentro do Governo, Catarina perdeu o pé. E o PCP não lhe ficou atrás.
Na crónica da democracia portuguesa, a moção de censura foi um instrumento parlamentar acionado por 28 vezes, embora só um Governo tivesse sido derrubado. Coube a iniciativa ao extinto PRD, fundado sob os auspícios de Ramalho Eanes, que pôs fim à carreira do Governo minoritário de Cavaco Silva. Mas a moeda ‘saiu furada’, porquanto Cavaco conseguiria logo a seguir a primeira de duas maiorias absolutas.
Curiosamente, o PCP foi o partido que mais recorreu a essa figura (sete moções de censura), igualado agora pelo CDS e com ligeira vantagem sobre o Bloco e o PS, cada um com cinco.
De todo os partidos parlamentares, o mais parcimonioso foi até hoje o PSD. Fê-lo uma única vez. Em contrapartida, foi o mais flagelado. O Governo de Passos Coelho, obrigado a governar com a ‘troika à perna’ – herdada do desregramento de Sócrates –, seria confrontado com seis moções de censura, tendo um denominador comum: as medidas de austeridade adotadas durante o tempo de assistência financeira urgente, com o país falido.
O Bloco e o PCP salvaram in extremis António Costa, perante a humilhante derrota sofrida nas legislativas, depois de passear a fanfarronice em campanha. Repetiram agora a proeza. Venderam-lhe um ‘seguro de caução’ para o manter à tona. Mas cobram-lhe às prestações, com juros agiotas.
O PS disse-se «chocado» com Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente respondeu, e bem, que «chocado» está o país. O verniz estalou entre Belém e S. Bento. O PS não aprendeu nada.