A estação de comboios de Viena mais parece um aeroporto. No comboio os bancos são confortáveis, há tomadas para os carregadores dos vários aparelhos eletrónicos e a internet não só existe, como também funciona. A viagem dura quatro horas e Munique recebe-nos já tarde, mas não está frio como esperávamos.
O Uli, é um amigo alemão que nos dará estadia estes dias. Veio-nos buscar à estação de comboios e mais tarde leva-nos a um bar espanhol para beber um copo de vinho de boas vindas. A casa é partilhada por cinco amigos que se conhecem há muitos anos e dos cinco apenas um deles não tem irmãos gémeos. Pergunto-lhes em tom de brincadeira se o nascimento de gémeos é algo típico do país, todos se riem mas comentam que por acaso conhecem várias pessoas com irmãos gémeos.
Amanhece e o sol surge com uma intensidade surpreendente. “Não estamos habituados a estas temperaturas nesta altura do ano”, diz-nos o Uli enquanto prepara o pequeno almoço. Como é preparador físico de atletas profissionais, a rotina está bastante entranhada no seu dia-a-dia e vai daí que nos convida para fazermos exercício de manhã.
Apesar das pessoas circularem de mangas curtas, enquanto se passeiam de bicicleta e trotinetes, a verdade é que o Outono já chegou e Munique é um mar de tons amarelos, vermelhos e laranja. Crianças pequenas dão gargalhadas enquanto empurram com os pés as milhares de folhas que cobrem os caminhos das cidade.
Há uma bicicleta destinada ao nosso passeio matinal e a falta de hábito e o tamanho do banco proporcionam três quedas seguidas, o Uli olha-nos com estranheza mas acha piada à situação. Perguntamos-lhe onde podemos encontrar os portugueses que por cá vivem, mas não temos muita sorte com a informação. Não tarde, porém , a ser-nos útil com as chamadas telefónicas que terá de realizar para nos manter informadas sobre um esfaqueamento no metro. Traduz as informações que lhe dão para inglês. Houve seis feridos mas os suspeitos foram presos, “está tudo tranquilo e voltou tudo à normalidade”.
Passeamos pelas margens do rio Isar, onde várias famílias aproveitam as temperaturas e a greve que a chuva fez esta semana. Fazem-se piqueniques, há cervejas nas mãos dos adultos, casais de namorados que se abraçam a ver o rio correr. Muitos chamam-lhe a cidade verde e percebe-se porquê, já que há enormes parques que acompanham a cidade, em ambas as margens do rio.
Continuamos a pé pelas ruas do centro de Munique e eis que a noite começa a espreitar. O sol põe-se cedo, mas as temperaturas não estão muito mais baixas, pelo menos por enquanto. Na Breisacher Str. 22 damos de caras com um dos mais famosos cantos portugueses de toda a Baviera. Ao fim de 35 dias em viagem sem contacto com portugueses, encontrar o Lisboa Bar é respirar Portugal.
No balcão vê-se carne de porco à alentejana, canapé de bacalhau espiritual, boquerones, entre outras pratos dos quais temos saudades. Chegam dois amigos bem dispostos, de casaco de cabedal e fazem festa ao gerente. Vieram de mota, pedem uma cerveja cada um e ao saberem que somos portuguesas nem nos dão hipótese: “Querem super ou sagres?”. Anselmo, gerente do Lisboa Bar, está atarefado e tem pouco tempo para conversar com os amigos. “A casa hoje até não está muito cheia, acredita”, diz-me com sotaque de Guimarães. Tem 34 anos, nesta cidade vive há onze anos, mas mudou-se para a Alemanha há 20. “Já compensou mais viver aqui, agora estar aqui ou noutro lugar é praticamente igual. Deixou de ser interessante”, diz enquanto um cliente alemão espera pela conta. A servir à mesa também há alemães, mas na cozinha são todos portugueses: “ A cozinha portuguesa tem de ser feita por portugueses. Já tivemos um espanhol e um albanês mas não é a mesma coisa, mudam sempre alguma coisa. A comida portuguesa tem de ter alma”.
Era ainda adolescente quando veio com a família para a Alemanha. “Fiz cá o décimo primeiro e décimo segundo. Aprender a língua foi só difícil no início, depois é sempre a andar”. Quando lhe pergunto se não ensinam os funcionários alemães a falar português responde-me com uma gargalhada: “eles só querem aprender palavrões. É que o alemão parece uma língua agressiva mas não é, eles não usam disso. São cuidados”.
Anselmo traz as cervejas aos dois amigos que agora escolhem uma mesa. Valter também é de Guimarães, tem 37 anos e está em Munique desde os 18. Tiago tem 34 anos, é de Santarem e já está por estas bandas há 24 anos. “É sempre aqui que vimos, não há nada como este bar. Depois há uns restaurantes mas é tudo muito pimba. Aqui é outra classe, não há piropos às mulheres no meio do bar, é outro ambiente”. O dono, José Fonseca, abriu o restaurante quando veio estudar alemão para Munique, há 28 anos. Foi o primeiro canto português da cidade. José fala do Lisboa Bar com orgulho, e não é só porque a casa tem o nome da sua cidade. “Eu não vinha de famílias ligadas à restauração, estava a estudar hotelaria na Suiça e decidi vir para cá estudar a língua que me faltava para acabar os estudos”. Para ter sucesso, garante que o segredo é saber adaptar-se ao lugar em que se está. “Tem de ser uma cozinha portuguesa bem feita mas aconchegada ao ambiente em que se está. Se eu der um bacalhau tipicamente português a um alemão ele vai achar salgado. Se lhe der umas sardinhas com tripas ele não come, tem nojo. Se der uma salada de orelha, levanta-se da mesa, se nos vir a comer caracóis começa a vomitar. Há muitos cuidados a ter em conta num país diferente”. Quando visitam a cidade, é aqui que param os jogadores de futebol, o embaixador e demais personalidades portuguesas. José é amigo de Valter e Tiago, são do mesmo grupo de motares, fazemos passeios por aí todos juntos, calminhos, vocês deviam vir connosco”.
À mesa já chegaram gambas à guilho, ainda a ferver. Há cestos de pão e não tarda chegam as alheiras e os bifes. Enquanto fazem um brinde José remata:“Isto aqui é um ponto de encontro. É a nossa casa, é aqui que nos sentimos portugueses”.