"Uma parte do governo foi a Bruxelas para mostrar o problema catalão no coração da Europa", disse, em conferência de imprensa em Bruxelas, Carles Puigdemont, presidente do governo autonómico catalão destituído por Madrid.
A ida de Puigdemont à capital da União Europeia levantou dúvidas sobre se teria ido pedir asilo político ao Estado belga, o único que na Europa o concede a cidadãos europeus, ou se teria ido preparar uma queixa a um tribunal internacional. No final, Puigdemont foi à capital europeia para apelar à mudança de posição da União Europeia e dos líderes europeus, que têm, desde o início do conflito entre Madrid e Barcelona, defendido a Constituição espanhola e a integridade territorial de Espanha.
"Peço à Europa que reaja. O caso da Catalunha é o caso dos valores pelos quais a Europa se fundamenta", disse.
"Esta segunda-feira, depois da declaração de independência, assumimos que o diálogo era impossível", disse Puigdemont. "O PP e o PSOE têm um problema gigante que não querem assumir politicamente". Para os líderes catalães destituídos por Mariano Rajoy, o confronto com Madrid é "político e não judicial e, portanto, a solução encontrada tem de ser política", referindo-se aos processos judiciais abertos pela procuradoria-geral espanhola por crimes de rebelião, sedição e peculato.
Puigdemont acusou Madrid de apenas "conhecer a razão da força" e de "o caos ter começado a 1 de outubro com a violência da polícia espanhola". "A queixa confirma a extrema agressividade do governo [espanhol] contra o governo e a mesa do parlamento [catalães], que não é legalmente apoiada", rematou.
O líder catalão afirmou ainda que "o governo legítimo da Catalunha dará prioridade a quatros eixos de trabalho". No primeiro concentrar-se-á em "evidenciar o problema catalão no coração da Europa", tentando ganhar apoios para a causa independentista e para refrear as ações do governo de direita de Mariano Rajoy.
Alguns membros do governo catalão "continuarão na Catalunha para realizarem atividade política como membros legítimos", em mais uma reafirmação de que o executivo destituído não abandonará o cargo para o qual foi eleito com um "programa eleitoral" que "defendia que no final desta legislatura seria proclamada a independência", programa aceite pelas autoridades eleitorais espanholas e catalãs.
Em terceiro lugar, o governo catalão "apoiará as diferentes iniciativas para evitar a demolição do sistema institucional catalão com a aplicação do artigo 155", tendo, ainda, apelado à desobediência pacífica dos sindicatos, partidos e organizações civis catalãs. Em último lugar, o governo catalão encara as eleições [do próximo dia 21 de dezembro] como um desafio democrático. Os desafios democráticos não nos assustam", afirmou peremptoriamente.
Puigdemont reafirmou por inúmeras vezes a legitimidade democrática do seu governo, afirmando ser o "presidente legítimo", ao mesmo tempo que alertava para o "grave défice democrático que existe hoje no Estado espanhol".
Na conferência de imprensa, Puigdemont falou em inglês, francês e catalão, alternando entre as três línguas conforme a mensagem proferida. No final da sua intervenção, os jornalistas puderam colocar questões. Uma delas foi se teria ido a Bruxelas para pedir asilo, a que respondeu: "uma parte do governo veio a Bruxelas para mostrar o problema catalão no coração da Europa" e para "trabalhar com liberdade e segurança". "Se um julgamento justo e a separação de poderes puderem ser garantidos, retornaríamos imediatamente", garantiu aos jornalistas.
Antes de a procuradoria-geral espanhola ter anunciado a abertura de processos contra os membros do governo autónomo, o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Alfonso Dastis, admitiu, em entrevista à Sky News, que Puigdemont poderia ser preso por ter participado no movimento independentista e que poderia candidatar-se em "teoria" nas próximas eleições regionais "se nessa altura não tiver sido posto na prisão". As declarações de um dos principais membros do executivo madrileno abriram o debate sobre a separação de poderes entre o executivo e o judicial na forma como tem lidado com Barcelona na maior crise da democracia espanhola desde 1975.
"Somos cidadãos europeus que têm liberdade de circulação. Não nos escondemos de nada", disse Puigdemont.
O ex-conselheiro do Interior, Joaquim Forn, tomou a palavra para relembrar os presentes que "agora o crime de rebelião é comparável ao do terrorismo. Nós nunca agimos com violência, mas somos equiparados a terroristas. É por isso que o presidente pede à Europa que reaja".
Na Catalunha, alguns dos restantes membros do governo, entre eles Oriol Junqueras, vice-presidente do governo catalão, e quatro conselheiros, Jordi Turull, Josep Rull, Carles Mundó e Raül Romeva, estão reunidos desde as 13h45 (menos uma hora em Portugal) na sala 9 do parlamento catalão. Trata-se da primeira sessão pública do governo catalão desde que o governo de direita de Rajoy avançou com a aplicação do artigo 155, destituindo os membros do governo autonómico e retirando os poderes ao parlamento.
Esta manhã o Tribunal Constitucional espanhol suspendeu a declaração unilateral de independência aprovada pelo parlamento catalão. Esta decisão veio no seguimento da queixa contra a resolução do governo de Rajoy, que proclamava a nova República catalã, apresentada e aprovada pelo parlamento. A convocação de uma assembleia constituinte catalã também foi suspensa pelo tribunal.